PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA GABINETE DESEGURANÇA INSTITUCIONAL AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA
Revista Brasileira de Inteligência
ISSN 1809-2632
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL
Ministro Jorge Armando Felix
AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA
Diretor-Geral Wilson Roberto Trezza
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO
Secretário Luizoberto Pedroni
ESCOLA DE INTELIGÊNCIA
Diretora Luely Moreira Rodrigues
Comissão Editorial da Revista Brasileira de Inteligência
Ana Beatriz Feijó Rocha Lima; Eliete Maria de Paiva; Osvaldo Pinheiro; Olívia Leite Vieira; Paulo P. Sousa; Saulo Moura da Cunha; G. Oliveira; Delanne Novaes de Souza; Paulo Roberto Moreira
Jornalista Responsável
Osvaldo Pinheiro – SJPDF 20369
Capa
Wander Rener de Araujo e Carlos Pereira de Sousa
Editoração Gráfica
Jairo Brito Mar ques
Revisão
Lúcia Penha Negri de Castro; Caio Márcio Pereira Lírio; Geraldo Adelano de F aria
O texto “Os Fundamentos do Conhecimento de Inteligência” foi revisado por Denise Goulart
Catalogação bibliográfica internacional, normalização e editoração
Coordenação de Biblioteca e Museu da Inteligência - COBIM/CGPC A/ESINT
Disponível em: http://www.abin.gov .br
Contatos:
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Tiragem desta edição: 3.000 ex emplares.
Impressão
Gráfica – Abin
Os artigos desta publicação são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abin.
É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta revista, desde que citada a fonte.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Revista Brasileira de Inteligência / Agência Brasileira de Inteligência. – n. 5
(out. 2009) – Brasília : Abin, 2006 -
102p.
Semestral
ISSN 1809-2632
1. Atividade de Inteligência – Periódicos I. Agência Brasileira de
Inteligência.
CDU: 355.40(81)(051)
Sumário
5
7
21
29
39
57
65
75
87
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Editorial
CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A INTELIGÊNCIA E SEUS USUÁRIOS
Leonardo Singer Afonso
DECORRÊNCIAS DA UTILIZAÇÃO DA INTERNET POR ORGANIZA- ÇÕES TERRORISTAS: o recurso da comunicação tecnológica como pro- posta de mudança não-democrática de poder
Romulo Rodrigues Dantas
BRAZIL’S ROLE IN THE FIGHT AGAINST TERRORISM
Delanne Novaes de Souza
MUDANÇAS CLIMÁTICAS : Inteligência e Defesa
Uirá de Melo
A ATIVIDADE OPERACIONAL EM BENEFÍCIO DA SEGURANÇA PÚBLICA: o combate ao crime organizado
Cristina Célia Fonseca Rodrigues
DESCRIMINALIZAÇÃO DO DELITO DE POSSE DE ARMAS NO BRASIL
Douglas Morgan Fullin Saldanha
A SOBERANIA BRASILEIRA, A GRÃ-BRETANHA E A QUESTÃO DO ESCRAVISMO DURANTE A GUERRA DO PARAGUAI: um caso de Contrainteligência?
Miguel Alexandre de Araújo Neto
OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIA
Josemária da Silva Patrício
Resenha
The Last Forest: The Amazon in the age of globalization
Romulo Rodrigues Dantas
Editorial
Desde a instituição do Sistema Brasileiro de Inteligência e a criação da Agência Brasilei- ra de Inteligência em 1999, está em curso, com a participação de órgãos integrantes do Sistema, um processo de construção de caminhos que conduzam à efetividade e eficá- cia da atividade de Inteligência no país.
Assim, como parte de um projeto de consolidação do Sistema, fortalecimento da atividade de Inteligência e concretização do papel de coordenação da ABIN, várias ações são desenvolvidas pela Direção-Geral, Departamentos e demais unidades da instituição.
Dentre elas insere-se a edição da Revista Brasileira de Inteligência – RBI, cuja proposta principal é disseminar conhecimento sobre os diversos temas inerentes ao desempenho da atividade de Inteligência e proporcionar espaço aos profissionais para a exposição e compartilhamento de suas ideias. Espera-se ainda que a publicação desperte em seus leitores a reflexão sobre muitos aspectos que envolvem uma atividade tão complexa quanto antiga e estratégica como é a atividade de Inteligência.
O filósofo romano Sêneca afirmou: “Não há vento favorável para aquele que não sabe aonde vai”. A Inteligência deve ser a bússola do decisor. E assim tem sido desde as épocas mais remotas até os dias atuais. A atividade perpassa toda a história e se contextualiza conforme fatores predominantes: as guerras, as estratégias nacionais, os fenômenos sociais, as relações internacionais, a economia.
Tal fato comprova a vitalidade da atividade e impõe que os profissionais que escolhe- ram laborar na Inteligência estejam sempre empenhados em enriquecer seus conheci- mentos em prol do incremento da qualidade do trabalho, aqui compreendido todo o processo de produção do conhecimento de Inteligência – planejamento, ações operacionais, análise, difusão.
A Revista Brasileira de Inteligência, desde o seu primeiro número, constitui-se em ins- trumento para essa melhoria, na medida em que busca trazer para um público variado, artigos de servidores e colaboradores que se debruçaram sobre temas que proporcio- nem a aquisição ou o acréscimo de conhecimento sobre Inteligência.
E é dentro dessa proposta que se insere esta edição da Revista, por meio de textos que tratam da relação entre a Inteligência e seus usuários; da utilização da internet por organizações terroristas; do papel do Brasil na luta contra o terrorismo; da ação da Inteligência e da Defesa em decorrência das mudanças climáticas; da atividade operacional em favor da segurança pública; da descriminalização do delito de posse de armas no
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Brasil; das relações entre a Grã-Bretanha, o Brasil e o escravismo na Guerra do Paraguai; e, dos fundamentos do conhecimento de Inteligência; além de resenha do livro The last forest:theAmazonintheageofglobalization .
Esta edição também inaugura uma nova fase da RBI, marcada pela inovação, que vai desde a elaboração de uma capa totalmente remodelada até a diagramação e o leiaute interno da obra, sempre buscando tornar agradável a experiência de ler a Revista Brasi- leira de Inteligência. É por isso que as inovações não vão parar neste número: as próxi- mas edições trarão mais novidades e o compromisso de periodicidade semestral que, por motivos alheios à RBI, não foi possível manter no biênio 2008/09.
Por isso, conclamo todos aqueles que já participaram da elaboração da Revista Brasilei- ra de Inteligência e aqueles que pretendem colaborar com as edições futuras para con- tinuarem alimentando este projeto, que tem o especial propósito de difundir conheci- mento de qualidade e, por conseguinte, obter reconhecimento à atividade e aos profis- sionais de Inteligência. Aproveite a leitura e, se desejar, envie comentários para revista@abin.gov.br.
Luely Moreira Rodrigues Diretora da Escola de Inteligência/Abin
6 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE
A INTELIGÊNCIA E SEUS USUÁRIOS
Leonardo Singer A fonso
Resumo
Onívelemqueseapresentamaimportânciaeaqualidadedoserviçodeinteligênciapara o Estadoreflete-senaconsolidaçãodeumrelacionamentointenso,porémprudente, abrangendo produtoreseusuáriosdeinteligência.Tecertalrelaçãorequercautela,umavezqueela deverá estaalicerçadaemumdistanciamentoidealentreosatoresenvolvidos,capazdepreservar a imparcialidadedasanáliseseaoportunidadedostemas tratados.
Intr odução
Desde os primórdios da
institucionalização da atividade de In- teligência, foram insuficientes os esforços para teorizá-la. Provavelmente, tal ausên- cia de produção acadêmica foi efeito ema- nado da aura de secretismo que envolveu este ramo governamental durante todo o período da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria. Não obstante, países que vis- lumbram a Inteligência além do estigma da espionagem e das operações clandestinas, como os Estados Unidos e Grã-Bretanha, produziram importantes autores, em sua maioria membros e ex-membros da comu- nidade de Inteligência, que, a partir da dé- cada 90, iniciaram a conceituação do tema e o estudo de suas peculiaridades com o objetivo de teorizá-lo.
Entre uma variada gama de assuntos, as principais referências acadêmicas na área
apontam o estudo das patologias que re- sultam do relacionamento entre Inteligên- cia e seus usuários como fundamental para a formação dos profissionais deste ramo e para garantir o aperfeiçoamento gradu- al da atividade. Levando-se em conta que a atividade é um ofício de assessoria, depreende-se que não haveria uso para a Inteligência sem que ela estivesse apro- priadamente incluída no processo decisório, o que só é possível caso a rela- ção entre produtores e usuários seja in- centivada e gerida de maneira eficaz e responsável. Não obstante, a discussão sobre o tema é preterida em benefício de tópicos relacionados à esfera da coleta, da análise e dos métodos de análise.
Os benefícios provenientes da manuten- ção de certa distância ou do esforço pela aproximação entre Inteligência e
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Leonardo Singer Afonso
policymakers1, têm sua fundamentação lógica, que explicita a necessidade da bus- ca por um equilíbrio entre a relevância e a independência das análises. Todavia, também apontam para riscos inerentes tais como a politização da atividade e a ame- aça de torná-la irrelevante.
A intenção deste trabalho não é eleger um posicionamento ideal, em que riscos e benefícios estejam equilibrados a ponto de tornar a Inteligência um exemplo de virtuosidade institucional, mas apresentar a questão e os problemas que gravitam em seu entorno, com a finalidade de in- centivar a reflexão e o debate sobre a ati- vidade e, concomitantemente, ampliar o entendimento dos usuários dos produtos de Inteligência.
Em primeiro lugar, cabe contextualizar a Inteligência como atividade de assessoria ao processo decisório, identificar os prin- cipais atores na interação entre Inteligên- cia e centro decisório e observar como e em que medida a Inteligência pode influ- enciar a decisão e vice-versa. O objetivo desta parte inicial é destacar a importân- cia da manutenção de uma relação simbiótica entre produtor e usuário para,
em seguida, na parte final, podermos analisá-la mais a fundo e apontar tendên- cias, vantagens e desvantagens.
É importante destacar que o conceito de Inteligência como atividade acessória não é comum a todas as nações, e menos ain- da é a configuração da estrutura na qual esta atividade é inserida. Por isso, grande
parte das concepções que utilizei origi- na-se da experiência norte-americana no setor devido à suas relativas similaridades com a conformação do Sistema Brasileiro de Inteligência e os propósitos da Agên- cia Brasileira de Inteligência, em termos estruturais2 e conceituais3 .
1 Dois atores em cena
Sob o ponto de vista norte-americano, o que se denomina “atividade de Inteligên- cia” - no âmbito governamental - está in- trinsecamente relacionado à idéia de pro- dução de conhecimento com o objetivo de assessorar o processo decisório de um ou maispolicymakers.Tal posicionamento está claramente expresso no parágrafo de abertura do Guia do usuário de Inteligên- cia, publicado pela Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos:
Grosso modo, Inteligência é o conhecimento e a presciência sobre o mundo que nos cerca. Do ponto de vista dos policymakers, é o prelúdio da decisão e da ação. As organizações de Inteligência provêm informação trabalhada e formatada para auxiliar usuários, sejam eles líderes civis ou comandantes militares, a considerarem linhas de ação e resultados alternativos. 4
Alguns acadêmicos restringem conceitualmente a atividade de Inteligên- cia ao campo tático-estratégico dos as- suntos militares e de segurança nacional. Para eles, o cerne dos serviços de Inteli- gência consistiria na ‘disputa silenciosa’
1 Evitei traduzir o termo policymaker. No decorrer do texto referir-me-ei a ele também como ‘usuário’, ‘cliente’ e ‘decisor’, substantivos que definem o papel do policymaker em relação à inteligência e o posicionam dentro do processo de produção de conhecimento.
2 Modelo constituído por comunidade de Inteligência com a presença de agência central.
3 Visão de Inteligência como instrumento de assessoria que transcende o sigilo, as atividades de espionagem e as operações clandestinas, e com escopo que alcança além das questões imediatas de segurança nacional.
4 Guia do usuário de Inteligência, Central Intelligence Agency - USA (2003).
8 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Considerações sobre a relação entre a Inteligência e seus usuários
entre as nações e enfatizaria a espiona- gem, as ações clandestinas, a contra-in- teligência e a desinformação5. Todavia, a atuação dos serviços de Inteligência pode extrapolar o campo da defesa em função das prioridades dos policymakers6. Inde- pendente da delimitação do escopo de suas análises, os serviços de Inteligência são basicamente organismos de assesso- ria e têm como propósito influenciar re- motamente a ação governamental com a finalidade de torná-la racional. Neste sen- tido, para dar bases sólidas ao processo decisório, demanda-se Inteligência traba- lhada e oportuna, que será provida na forma de contextos, informações lapida- das, alarmes, tendências e análises de ris- co e de oportunidades.
Depreende-se a existência de pelo me- nos dois atores essenciais que dão vivaci- dade à atividade de Inteligência e cujo relacionamento é imprescindível para a inserção dela no processo decisório: o produtor (o profissional de Inteligência), que interpreta demandas e se insere no ciclo de elaboração do produto de Inteli- gência, e o usuário (o policymaker), que aciona e utiliza Inteligência como mais um dos diversos subsídios que o auxiliarão a tomar uma decisão otimizada. Logo, cabe visualizarmos mais detalhadamente a interação entre esses atores, a fim de ten- tarmos entender como a atividade de um influencia a do outro.
Sherman Kent (1949), que serviu como analista de Inteligência no Office of Strategic Services e no Office of National Estimates (CIA), foi também um pioneiro no estabelecimento de métodos para a análise de informações. Diz o autor, criti- cando um eventual descaso do decisor pela análise de Inteligência, que “... não pretendo desqualificar todo tipo de intui- ção e de palpite com o pretexto de que são todos igualmente arriscados, pois exis- tem intuições baseadas em conhecimen- to que são objetos da mais pura verdade. O que desejo rejeitar é a intuição basea-
da em nada, partida de um desejo”. No contexto do Estado moderno, espera-se que em seu cotidiano o policymaker muna-se de ingredientes que o permiti- rão deliberar sobre uma decisão, até mes- mo o rumo de uma política, de maneira mais apropriada do que se dispusesse apenas de pistas vagas ou visões pré-con- cebidas dos fatos. O produto de Inteli- gência é um desses ingredientes.
Na mesma direção, o ex-analista da Inte- ligência britânica e acadêmico Michael Herman (1996) afirma que a “ação base-
ada em Inteligência é a antítese da lide- rança baseada na ideologia”. Na opinião desse autor, “o mero fato da incorpora- ção de subsídios de Inteligência no pro- cesso decisório confirma o compromisso de um governo com a racionalidade e a sua preocupação com a realidade”. Em vista disso, o analista de Inteligência, no exercício de suas funções finalísticas, não planeja nem sugere linhas de ação7; tenta
5 Abram Shulsky (2002), autor do livro ‘Silent warfare: understanding the world of intelligence’, assim define inteligência.
6 A comunidade de Inteligência dos Estados Unidos, também se ocupa de temas bastante amplos como os acordos internacionais sobre comércio e meio-ambiente.
7 Eventualmente o analista de Inteligência poderá ser convocado por órgãos executores (ministé- rios, comitês, gabinetes de crise) para opinar em um planejamento. No entanto, deve estar claro que, nesse caso, não estará exercendo a função de oficial de Inteligência e sim de colaborador.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 9
Leonardo Singer Afonso
atingir um grau elevado de imparcialida- de em suas análises e seus trabalhos 8
abarcarão o nível de confirmação dos fa- tos analisados e o levantamento de hi- póteses que podem inspirar ou não o decisor a elaborar e adotar novas táticas e estratégias relacionadas aos rumos do Estado em uma área específica.
Esse processo, que resultará na produ- ção de conhecimento, é técnico, envol- ve necessariamente a participação ativa de produtor e usuário, e consubstancia- se no chamado “ciclo de Inteligência9 ”. Kent (1949) demonstra que o ponto de contato inicial entre Inteligência e pro- cesso decisório dá-se no início da ação do produtor e identifica duas possibili- dades para que o ciclo comece: a) o apa- recimento de uma nova linha de ação sobre dado assunto desencadearia um pedido de antecedentes para a Inteligên- cia por parte do decisor10 ou b) os pro- fissionais de Inteligência, no decorrer de suas atividades de acompanhamento de determinado tema, assinalariam um fato
ou processo que demandaria a produ- ção de conhecimento.
Os papéis de produtor e de decisor tam- bém adquirem semelhança no estágio ini- cial da metodologia de produção de co- nhecimento proposta por Kent, em razão de o que o autor chama de ‘problema substantivo’11 surgir de três maneiras: a) como resultado das reflexões de um ho- mem de dentro da organização de Inteli- gência, cuja única função é prever pro- blemas12; b) quando os levantamentos de dados sobre determinado assunto reve- lam algo fora do comum; e c) de uma solicitação do usuário dos produtos de Inteligência.
Ao longo do ciclo de Inteligência, possivel- mente os caminhos do analista e do decisor se cruzarão algumas outras vezes. Além de ser uma importante fonte de dados e de expertise sobre um dado assunto, o usuário pode ser responsável pela renovação do ci- clo ao questionar informações e análises recebidas sobre as quais ainda se sente in-
8 O produto de Inteligência, cuja confecção fica sob a responsabilidade analista, é fruto da apli- cação do conhecimento deste profissional sobre um tema à informação trabalhada ao longo de um minucioso método de tratamento de dados e de fonte.
9 Processo técnico de confecção do produto de Inteligência que abrange etapas específicas a serem seguidas a fim de organizar a produção do conhecimento. Segundo Cepik (2003), em ‘Espionagem e Democracia’, a idéia de ciclo de Inteligência deve ser entendida como uma metáfora, “um modelo simplificado que não corresponde exatamente a nenhum sistema de Inteligência realmente existente”. “A principal contribuição da idéia de ciclo de Inteligência é justamente ajudar a compreender essa transformação da informação e explicitar a existência desses fluxos informacionais entre diferentes atores”.
10 Mark M. Lowenthal (2003) explica que, idealmente, a formulação de prioridades da Inteligência quanto ao acompanhamento de determinado assunto deveria ser feito pelos usuários dessa atividade. No entanto, devido à escassez de tempo e até mesmo à falta de uma cultura de Inteligência por parte do cliente, este poderá eximir-se dessa tarefa. A responsabilidade de apontar prioridades ficará, portanto, a cargo dos “gerentes” de Inteligência, que para tal finali- dade se aproveitarão da expertise inerente à atividade em relação aos assuntos acompanha- dos. Neste caso, a Inteligência corre o risco de ser, posteriormente, acusada de equívoco ou de manipular o processo decisório.
11 Quando Sherman Kent (1949) se refere a “problema objetivo”, refere-se ao problema que é o objeto real da Inteligência, como a necessidade de estimar a capacidade produtiva máxima do setor metalúrgico de determinado país emumcenário pré-definido de racionamento energético.
12 Segundo Kent (1949), “um desastre como Pearl Harbor deve ser atribuído em grande parte à ausência de uma pessoa desagradável e persistente que, sabedora da crescente animosida- de do Japão, se mantivesse a perguntar quando e como viria o ataque japonês”.
10 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Considerações sobre a relação entre a Inteligência e seus usuários
suficientemente seguro para absorver, ou ainda desdobrar as análises em novos re- querimentos informacionais (re-orientação de coleta e análise), dando início a um novo esforço analítico.
2 Medindo a importância e o alcance da Inteligência nas decisões
De acordo com o que foi anteriormente descrito, o policymakerque necessite de- cidir amparado em argumentos mais sóli- dos do que os disponíveis pode optar por recorrer aos setores de informações. Quando o faz, acatar ou não um argu- mento levantado pela Inteligência é ação discricionária própria. E ainda que um relatório tenha sido levado em conside- ração, em alguns casos é útil de maneira seletiva; ou seja, a análise pode não ser integrada em sua totalidade às decisões do usuário, que absorveria apenas alguns parágrafos constantes em um produto de Inteligência.
Apesar de alertado para esses importan- tes detalhes desde os primeiros momen- tos de sua formação profissional, o ana- lista tende a superestimar o valor do seu ofício para o usuário e cria expectativas com relação aos resultados concretos de seu trabalho, muitas vezes ignorando o fato de que a influência da Inteligência no processo decisório costuma ser (ainda que nem sempre o seja) bastante sutil. Então, como mensurar a importância e o alcan- ce dos produtos de Inteligência no pro- cesso de tomada de decisões?
Em princípio, a resposta a essa pergunta estaria condicionada à comparação entre o que foi analisado pela Inteligência e o desenrolar futuro das situações analisa- das e, em alguns casos, o resultado da ação tomada tendo como base a Inteli- gência provida. A tarefa não poderia ser
mais complexa. Os subsídios proporciona- dos pela Inteligência aos policymakers po- dem conter previsões que desencadeari- am ações capazes de alterar os próprios fatos por ela previstos. Ademais, aqueles
subsídios podem também levar o consu- midor à inércia, uma vez constatado que a ação de menor risco para o caso analisado consistiria na inação. Se em princípio a fi- nalidade da Inteligência é informar e auxili- ar na orientação das ações do Estado, e se, muitas vezes, essas ações impedem os acontecimentos previstos em relatórios de Inteligência – ou até mesmo permitem que ocorram sem limitações –, a pergunta em questão continuaria sem resposta.
...comomensurar a importânciaeoalcance dos produtosdeInteligência no processodetomada de decisões?
A inexistência de uma estrutura formal para a tomada de decisão desfavorece a tarefa. Parafraseando Michael Herman (1996), as decisões são como ‘caixas-pre- tas’, que não possuem nenhuma indica- ção externa de seus circuitos. Tudo que é decidido sofre ação direta e indireta tan- to de elementos externos quanto de sub- sídios formais de informações advindas ou não do aparato de Inteligência. Lembre- mos que a atividade dos decisores envol- ve fatores alheios à atividade do produ- tor, como julgamento, interesses políti-
cos, liderança e determinação. Por isso, “o processo decisório racional ou analíti- co constitui um ideal ao qual o sistema que o executa aspira”.
Possivelmente, o impacto dos efeitos da Inteligência para as decisões será mais bem visualizado avaliando-se o estado da
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Leonardo Singer Afonso
reputação que ela goza perante os seus usuários. Neste caso, a aceitação e a in- clusão institucional da atividade no pro- cesso decisório será o referencial por ex- celência. Quanto mais houver interação responsável13 entre instituições e entre produtor e decisor, mais sadio será o ci- clo de Inteligência, provocando um gran-
de fluxo de requerimentos informacionais14, análises e re-orienta- ções. Conseqüentemente, serão fortes as evidências de que os produtos de Inteli- gência estão recebendo atenção apropri- ada e tendo algum alcance no processo decisório.
3 A relação entre os atores: pro ximidade
Ao percorrermos a literatura voltada para as questões de Inteligência, percebemos que é recorrente a idéia de que o estabe- lecimento de boas relações entre o usuá- rio e o cliente é responsabilidade quase exclusiva dos serviços de Inteligência. Essa afirmação torna-se evidente diante do ar- gumento de que a atividade é acessória e, portanto, precisa mostrar-se útil e confiável para que seja aproveitada no processo decisório15. Como usuários de um produto, os decisores terão de ser
convencidos de que suas ações não a deveriam dispensar, sob o risco de per- derem um importante input. Vale lembrar ainda, como coloca Mark Lowenthal
(2003), que “os decisores existirão e tra- balharão sem a existência da Inteligência, porém o oposto não é verdadeiro”. Por- tanto, a demanda deve ser estimulada, pois nem todo governante compreende- rá ou verá benefício na utilização dos pro- dutos de Inteligência até que se prove o contrário.
A maioria dos decisores exerce uma fun- ção tão técnica quanto política e possui convicções particulares, as quais permearão suas atitudes profissionais. Seus projetos e sua situação como policymaker podem depender de um posicionamento político a ser seguido, por
exemplo. Caso o modo como os assun- tos de sua competência são conduzidos entre em desconformidade com as con- clusões atingidas pelas análises de Inteli- gência, o usuário tenderia a – e teria po- der para isso, se desejasse – diminuí-las em importância no âmbito de suas deli- berações, pois o planejamento e a execu- ção de políticas, inclusive a escolha dos argumentos que as embasarão, cabem apenas a ele. Ainda que trabalhe com ados confiáveis, a Inteligência não é panacéia – mas acessório, ainda que diferenciado16 .
Não se pode condenar o fato de um policymaker desagradar de uma análise que não reforça suas opiniões. O proble- ma ocorre quando ele a desconsidera
13 Sobre “interação responsável” ou “relação responsável”, refiro-me à relação entre o usuário e o produtor de Inteligência conduzida de maneira que leve em conta e proceda de acordo com as benesses e mazelas a respeito das conseqüências da proximidade e do distanciamento entre os dois atores.
14 Os requerimentos informacionais, assim como a pró-atividade do profissional de Inteligência, iniciam o ciclo de Inteligência e são compostos por pedidos sobre informações sujeitas a aprofundamento, dados não conhecidos e temas a serem elaborados. Cepik (2003) critica a noção de que o ciclo é integralmente dirigido pelos requerimentos informacionais do usuário final, apontando que esse pensamento “induz expectativas exageradas sobre o tipo de racionalidade que orienta os processos decisórios governamentais e sobre o próprio papel da Inteligência”.
15 Para Herman (1996), “o efeito da Inteligência, por isso, depende de sua reputação institucional e da química pessoal entre produtores e usuários”.
16 Para autores especializados e profissionais da área, o diferencial da Inteligência encontra-se nas análises especializadas a partir de fontes diversificadas, na maior imparcialidade de um órgão assessor em relação a um órgão executor, e no fato de acessar tecnicamente fontes sigilosas.
12 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Considerações sobre a relação entre a Inteligência e seus usuários
imediatamente depois de constatada uma contradição ou não a aprecia por saber tratar-se de documento que potencialmen-
te não corroborará seus planos. Um exem- plo clássico provém da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), quando Stalin ignorou os avisos da Inteli- gência britânica que o alertavam da iminência do ataque de Hitler a seu país. Na ocasião, a URSS era signatária de um tratado bilateral de não-agressão com a Alemanha nazista. Os motivos que leva- ram Stalin a ignorar os avisos da Inteli-
gência podem ter sido muitos, entre eles a desconfiança de que a Grã-Bretanha o queria a seu lado contra Hitler, mas tam-
bém o detalhe de que provavelmente Stalin tinha uma simpatia exagerada pelo bem sucedido – até aquele momento – trata- do de não-agressão que ele mesmo tinha engendrado. Tomar providências a partir do subsídio recebido da Inteligência bri- tânica evidenciaria sua ingenuidade na ocasião, o que possivelmente nenhum lí- der na posição de Stalin desejaria.
...qualéolimite de proximidadee de distanciamento desejável paraqueasrelações entre analistasdeInteligência e policymakers não comprometama utilidade eaconfiabilidade da Inteligência pr oduzida?
Michael Herman (1996) constata que, na busca de criar um ambiente simbiótico entre os dois atores, a Inteligência, sujei- ta às atitudes imprevisíveis dos
policymakers, faz uso de “persuasão, re- lações pessoais e marketing”, o que auxi- liaria na aproximação entre produtor e
usuário. No mesmo sentido, ainda que em
tom ortodoxo, Kent (1949) afirma que “os analistas, mesmo os mais inexperientes, têm que carregar o pesado fardo de ad- ministrar as relações com seus clientes”, e que esta interação é criada “por meio de um grande empenho consciente e per- sistente, e que estará sujeita ao desapa- recimento caso o esforço seja relaxado”.
Existem, todavia, limites que não devem ser ultrapassados nessa interação. Ainda que a proximidade seja necessária, a inti- midade entre os dois atores poderá cau- sar danos sérios ao papel da Inteligência
no processo decisório. Se a distância exa- cerbada entre eles tem a capacidade de inutilizar as análises de Inteligência, a si- tuação diametralmente oposta traz con- sigo o perigo da politização e da unifor- mização dos discursos. Então, qual é o limite de proximidade e de distanciamento desejável para que as relações entre ana- listas de Inteligência e policymakers não comprometam a utilidade e a
confiabilidade da Inteligência produzida?
Com o intuito de tornar-se proveitosa, é importante que a Inteligência se permita aproximar dos decisores, pois somente o diálogo entre produtor e usuário poderá balizar e municiar a análise de modo a torná-la oportuna diante de questões ime- diatas aos policymakers. É necessário que o profissional de Inteligência conheça a agenda de seu cliente, seu histórico, sua atuação atual e ofício. Portanto, um ana- lista deve conscientizar-se de que é ne- cessário, em primeiro lugar, estudar e compreender seu interlocutor para não o encarar como um recipiente vazio, que pode ser preenchido com qualquer tipo de material.
Ousuário espera da Inteligência algo que contribua para a atitude que tomará em
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Leonardo Singer Afonso
relação a uma questão17. Não obstante,
por melhor que seja a maneira de um policymakerusar e pedir o que quer à In- teligência, nem sempre os requerimentos informacionais incluirão circunstâncias detalhadas a ponto de orientar perfeita- mente o processo de análise18. Para Kent, documentos cujo conteúdo se encontra “à deriva” – sem orientação – certamen- te não agregarão valor às suas decisões. Por isso, o analista deverá estar prepara-
do para detectar, ainda que por si só, o que o decisor necessita saber. Isto somen- te será possível se houver a combinação de dois fatores fundamentais: a) a expertise
do analista de Inteligência na área que se propõe a analisar, e b) a existência de uma interação responsável com os usuários de seus produtos.
Com relação ao policymaker, a aproxima- ção entre os atores garantirá sua partici- pação efetiva no processo de produção de conhecimento, pois será educado nos procedimentos da Inteligência. Ao longo do tempo, o usuário tenderá a adquirir a noção de como a atividade lhe pode ser útil, de como se recorre a ela, bem como afastará dúvidas causadas pela pouca fa- miliaridade com o assunto19 – fragilizando
argumentos e lugares-comuns como o que
define a Inteligência como uma duplica- ção dos esforços do usuário20. Garantin- do que o decisor saiba o que é, para o que é, o que pode fazer e como se faz uso da Inteligência, todo produto prove- niente dessa atividade lhe será potencial- mente útil em algum momento21. Neste sentido, o ciclo de Inteligência será dina- mizado, dado que possivelmente haverá orientação adequada, volume de requeri- mentos informacionais e continuidade do fluxo de análises22. Em resumo, a Inteli- gência ganhará a confiança e o respeito de quem ela propõe a auxiliar.
Alguns usuários, no entanto, poderão enxergar na Inteligência um instrumento político para uso próprio e certamente tentarão aproveitar-se da sua proximida-
de com o analista para que este tendencie as conclusões dos seus trabalhos, o que caracteriza a politização da Inteligência, ou, como denominavam os nazistas, kämpendeWissenschatf23. Neste senti- do, as análises poderão servir ao policymakercomo um poste de luz pode servir a um homem embriagado – mais como um mero apoio do que como ilu- minação para seu caminho. Da mesma
17 Ainda que a análise o inspire a não tomar atitude alguma ou mudar de atitude.
18 Na verdade, muitas vezes os requerimentos são extremamente vagos, segundo Kent (1949).
19 A CIA, por exemplo, prepara vídeos e cartilhas para seus usuários no intuito de educá-los nos procedimentos da Inteligência.
20 Tal argumento é extremamente prejudicial e seus efeitos são desastrosos, pois o policymaker passará a enxergar os analistas como competidores diretos que lhe estariam furtando a atribui- ção de raciocinar. Neste contexto, a cooperação entre os dois e a desejada relação simbiótica estará seriamente comprometida, o que demandará esforços muito maiores em direção a uma solução.
21 Cabe ressaltar que parto do princípio de que todos os profissionais de Inteligência compreen- dam perfeitamente o que é, para o que é, o que pode fazer e como se faz uso da Inteligência. Do contrário, o risco de desvio de função é grande e, neste caso, analistas e policymakers certamente entrarão em conflito.
22 Não se pode encarar sempre a manufatura de um relatório de Inteligência sobre um determi- nado assunto como produto final ou como a apreciação incontestável para o problema do usuário, pois normalmente um requerimento informacional deve desencadear um processo que resultará em diversos novos questionamentos e requerimentos, que gerará novas análi- ses e assim por diante, ultrapassando o momento em que o decisor se satisfaça, até que o assunto torne-se desimportante a partir da ótica do analista.
23 Kent (1949) traduz esta expressão como “conhecimentos que embasam a política do estado”. No caso, tais conhecimentos eram cuidadosamente elaborados pelos intelectuais do partido nazista para fundamentar conceitos tais como a supremacia ariana, o destino alemão, o Vesailles Diktat etc.
14 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Considerações sobre a relação entre a Inteligência e seus usuários
forma, a proximidade exacerbada entre analista e decisor – principalmente um decisor de vulto – pode criar distorções analíticas, uma vez que o oficial de Inteli- gência estará sujeito a pressões mais di- retas ou à sedução, caso troque a impar- cialidade inerente ao seu trabalho pela admiração por seu interlocutor.
Exemplos claros de manipulação das aná- lises de Inteligência são difíceis de serem encontrados. A suposta manipulação dos relatórios da CIA sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque pela Casa Branca ainda não foi provada e a simples constatação de que houve co- erção para que analistas de Inteligência relatassem o que o governo queria ouvir sobre o Iraque seria desastrosa. O fato, porém, proporciona uma idéia de como a politização poderia ser gerada quando a relação entre produtor e usuário se torna instável. Em outubro de 2002, uma esti- mativa produzida pela comunidade de
Inteligência norte-americana considerou que o Iraque continuava com a sua políti- ca de produção de armas de destruição em massa. O documento, que se tornou público em 2003, previa inclusive a cons- trução de um dispositivo nuclear iraquiano para esta década (ESTADOS UNIDOS, 2002). A discrepância no processo de produção do conhecimento poderia ser encontrada na falta de vontade dos decisores norte-americanos para criticar o embasamento de afirmações tão cate- góricas quanto aquelas encontradas na citada estimativa, que supostamente embasava uma vontade do governo Bush. Numa mesma linha especulativa, um arti- go publicado por Seymour Hersh para a revista ‘The New Yorker’, em 2003, insi- nua que o governo norte-americano cul-
tivou analistas dispostos a embasar suas pretensões, o que teria constituído um dos principais meios através dos quais teria se dado a suposta manipulação da análise de Inteligência.
O outro problema apresentado pela má condução da relação entre produtor e usuário é a uniformização dos discursos. A função do analista não abarca a contraposição aos vieses políticos adotados e às decisões tomadas pelo policymaker. Mas conflitos de idéias sur- girão rotineiramente e é possível que de- les nasçam novas hipóteses e opções viá- veis que se encontrem além das vistas dos dois atores. Também abundarão casos em que as análises de Inteligência e as pre- tensões do decisor coincidirão. E haverá momentos nos quais a confiança do usu- ário na assessoria da Inteligência chegará a um nível tão elevado que as idéias de ambos tenderão a, insistentemente, não apresentar contradições.
A falta de eventuais contraposições entre usuário e produtores cria uma barreira que simplifica o ciclo de Inteligência de uma maneira tão perversa que pode inspirar o policymakera cometer erros graves. De- vido à poderosa confiança que se origina da similaridade entre os argumentos dos decisores e da Inteligência, potenciais questionamentos às análises, contra ou a favor de informações que fundamentam uma argumentação, permanecerão inde- finidamente latentes. Nesse contexto, in- formações que necessitem de agregação de valor (confirmação) carecerão de aten- ção, o que comprometerá todo o resulta- do final da confecção do produto de In- teligência24. Criar-se-á um círculo vicioso difícil de ser quebrado.
24 Insisto na idéia de que um relatório não é o produto final da Inteligência, pois esta consiste em um processo materializado na repetição indefinida do ciclo de Inteligência.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 15
Leonardo Singer Afonso
Para ilustrar essa argumentação, retornemos a 1973, em Israel. Nessa épo- ca, as Inteligências civil e militar israelen- ses gozavam de um alto conceito entre
os decisores daquele país. Com relação à ameaça de uma nova guerra com seus vi- zinhos árabes, os policymakers e analis- tas israelenses dividiam o mesmo pensa- mento formulado no final da década de 60, que ficou conhecido como ‘kontzeptziya’25. Este se baseava em três linhas de argumentação para concluir que, para árabes e israelenses, a guerra estava
fora de cogitação naquele momento: a) após a guerra de 1967, Israel havia al- cançado uma posição de superioridade militar capaz de dissuadir qualquer inten- ção belicista de seus vizinhos; b) a Síria não estava disposta nem preparada para se engajar em uma guerra solitária contra Israel; c) o Egito não estava preparado militarmente, principalmente em termos de capacidade aérea ofensiva e defensi- va, para atacar Israel. Por isso, os rela- tórios da Inteligência militar, até o dia 5 de outubro de 1973, véspera do Yom Kippur e do ataque egípcio e sírio, con-
sideravam a iminência de uma guerra como fato “altamente improvável” (BLACK; MORRIS,1991).
A crença na kontzeptziya estava tão ar- raigada em Israel que as reiteradas de- monstrações de disposição para a guerra por parte de Síria e Egito não convence-
ram nem governo nem Inteligência. Um comandante israelense chegou a comen- tar que, caso fossem iniciadas as hostili-
dades, bastava posicionar um pelotão de paratrooperse dois tanques em cima de uma colina para que todos os inimigos de
seu país fossem sobrepujados. O resulta- do foi um ataque surpresa dos vizinhos contra Israel, ocorrido no dia 6 de outu- bro de 1973, em pleno “Dia do Per- dão26”, e uma vitória à custa de sacrifíci- os que, em outras circunstâncias, poderi- am ter sido evitados.
4 A relação entre os atores: distanciamento
Um dos motivos pelos quais a Inteligên- cia existe como atividade de estado apar- tada das demais instâncias executivas é a sua capacidade de se pronunciar de ma- neira independente. Essa separação pre- tende evitar que todo o magnetismo con- tido no jogo político intrínseco ao pro- cesso decisório logre atrair a Inteligência em maior ou menor grau, desde a fase de coleta até a etapa da análise (SHULSKY, 2002). Agindo dessa forma, busca-se preservar a imparcialidade das conclusões do analista, evitando hábitos como o de “eliminar o mensageiro”27 – obviamente
aquele que porta más notícias.
A própria justificativa para a criação de agências centrais de Inteligência seria pro- porcionar-lhes o máximo de independên- cia possível. Como a CIA, elas estão nor- malmente vinculadas ao mandatário do Poder Executivo, mas não aos maiores
consumidores de produtos de Inteligên- cia, como as Relações Exteriores, os
26 Tradução em português para Yom Kippur.
27 Shulsky (2002) se refere à “killing the messenger” syndrome, e nos proporciona um ótimo exemplo extraído de “Antony and Cleopatra” de Shakespeare. Na obra, após ameaçar de mor- te o mensageiro que lhe trouxe a notícia de que Marco Antônio havia se casado com Otávia, Cleópatra se explica: “Tough it be honest, it is never good to bring bad news: give to a gracious tiding a host of tongues; but let ill tidings tell themselves when they be felt.” – “Não obstante seja honesto, nunca é bom trazer más notícias: alardeie as boas novas; todavia, deixe as más notícias anunciarem a si mesmas quando forem sentidas.” (tradução livre).
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Considerações sobre a relação entre a Inteligência e seus usuários
Ministérios e Departamentos de Defesa.
Isso não exclui o fato de que primeiros-
ministros e presidentes sejam eles mes- mos os principais clientes28 da Inteligên- cia, com virtudes, vícios e opiniões pró- prias. Por isso, o problema em questão tende a reaparecer em outro nível, e a garantia de que haverá objetividade satisfatória nas análises dependerá da pre- disposição dos líderes da Inteligência a manter a finalidade original da atividade (SHULSKY, 2002).
Além de poder apontar coerências e dis- crepâncias em políticas em curso, a ativida- de de Inteligência deve ser suficientemente independente a ponto de não centrar suas atenções apenas em assuntos e áreas geo- gráficas que interessem aos seus clientes. Uma das funções de um serviço de Inteli- gência é identificar novas ameaças, proces- sar novas questões e alertar sua contraparte para tópicos que lhes serão potencialmente úteis, porém que permanecem inobservados devido ao direcionamento do foco sobre assuntos que o caminhar das políticas ofici- ais de governo impõe.
O desequilíbrio no distanciamento institucional e físico da Inteligência em relação aos seus usuários pode resultar na irrelevância da atividade para o gover- no, já que será muito difícil educá-lo so- bre a função e os processos da Inteligên- cia, bem como definir o que é e o que não é interessante para os decisores, inviabilizando a produção de subsídios delineados e direcionados. O efeito é ne- fasto, principalmente para a atividade acessória, que tenderá a criar e a viver em seu próprio mundo, tal como se so- fresse de um autismo institucional, pelo qual a Inteligência seria desligada da rea- lidade exterior e se limitaria, na maior parte
das vezes, a situações que apenas ela con- sidera importante.
Umadasfunçõesde um serviçodeInteligência é identificarnovas ameaças, processarnovasquestões e alertarsuacontraparte para tópicosquelhes serão potencialmente úteis...
O insulamento da Inteligência pode ocor- rer pelo medo das conseqüências da pro- ximidade do usuário ou pela simples trans- formação de uma prática viciosa em um axioma. Sem entender as razões e as con- seqüências do distanciamento entre o pro- dutor e o usuário, os doutrinadores de In- teligência podem se tornar pregadores tão radicais que acabariam fazendo a atividade viver por si e para si, esquecendo-se de que sua função real é assessorar de uma maneira específica. Conseqüentemente, isso eliminaria qualquer traço de relevân- cia da Inteligência para seu Estado.
Na opinião de Sherman Kent (1949), en- tre o isolamento e a proximidade, o pri-
meiro causaria os piores danos, uma vez entendendo-se que o processo de cons- truir um ambiente simbiótico partindo do zero é bastante difícil. Além disso, o distanciamento, quando exacerbado, comprometeria desde seu princípio a produção de Inteligência, que depende de orientação adequada para fluir. A ex- clusão se torna mútua, porque o ciclo de Inteligência não mais contaria com a par- ticipação sinequanon do policymaker , bem como a força que a Inteligência pode representar nas deliberações do proces- so decisório seria desconhecida até que a situação se invertesse.
28 Não necessariamente o maior consumidor.
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Leonardo Singer Afonso
Conclusão
Os exemplos proporcionados pelas duas situações não admitem que a Inteligência faça concessões e opte pela proximidade exagerada ou pelo distanciamento conser- vador de seus usuários. O esforço deveria estar voltado sempre para o equilíbrio que cada situação exigisse. Qualquer escolha extremada condenaria a atividade ao exer- cício de uma função viciada e construiria um exemplo de ineficácia institucional e desperdício de recursos públicos.
Da mesma forma, por parte de um decisor conhecedor e usuário costumeiro da In- teligência, a tentativa de manipulá-la vi- sando interesses próprios causaria o mesmo efeito. Ainda assim, esta é uma opção – censurável, ressalta-se – do policymaker, que só virá à tona caso os controles externos da atividade procedam eficientemente na fiscalização da mesma.
Para o potencial usuário que não tem ci- ência do valor que a atividade pode agre- gar a seu ofício e a ignora por completo, atribui-se a responsabilidade sobre essa condição à própria comunidade de Inteli- gência, que tem como obrigação aproxi- mar-se de seus clientes e educá-los no que diz respeito às atribuições e contri- buições da atividade. Opolicymaker tam- bém pode ter interesse em conservar um relacionamento responsável com a Inteli- gência, o que só se concretizará com ins- trução adequada.
Educar usuários e produtores com a fina- lidade de criar uma cultura de Inteligên- cia forte não somente oxigenaria o ciclo de Inteligência, no âmbito do processo decisório, tornando-o mais eficiente, como também estimularia a reprodução de vários modelos de Inteligência que, ao longo do tempo, tenderiam a se adequar
e a se consolidar em função da realidade nacional, por meio de consultas mútuas entre os dois atores.
Profissionalizar cada vez mais a Inteligên- cia é uma necessidade que se impõe a cada dia. Esse esforço passa pela perfeita visualização do ofício do profissional da área, cujas funções vão além da manufa- tura de relatórios e abrangem desde a sensibilização dos usuários para as ques- tões de Inteligência até o estudo das pa- tologias institucionais derivadas de sua própria existência, com o objetivo de ela- borar e aperfeiçoar contrapesos e con-
troles externos da atividade. É fundamen- tal que a Inteligência tome consciência completa de si para que possa educar e se impor de maneira benéfica, ocupando um lugar exclusivamente seu.
Por mais que estejamos conscientes, fa- lhas ocasionalmente ocorrerão, devido à má administração da interação entre pro- dutores e usuários, principalmente aque- las falhas derivadas do aspecto da proximi- dade e da distância entre os dois atores. Em lugar nenhum no mundo se alcançou um modelo perfeito de inserção da Inteli- gência no processo decisório que a previ- na totalmente contra os vícios apresenta- dos. Entretanto, os aparatos de Inteligên- cia atuais são relativamente eficientes na identificação e reversão das mazelas e suas causas, incentivando o aprimoramento da discussão em torno desse tema e colocan- do idéias em prática. É necessário que pro- fissionais de Inteligência e governantes conscientizados, em conjunto, desenvol- vam continuamente meios cada vez mais capazes de minimizar as patologias que surjam da inexorável relação entre produ- tor e usuário, bem como nunca baseiem
suas relações em axiomas e práticas sem alicerce teórico, mas em conceitos bem fundamentados e oxigenados pelo debate.
18 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Considerações sobre a relação entre a Inteligência e seus usuários
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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 19
DECORRÊNCIAS DA UTILIZAÇÃO DA INTERNET POR ORGANIZAÇÕES TERRORIST AS:
o recurso da comunicação tecnológica como pr oposta de mudança não-democrática de poder 1
Romulo Rodrigues Dantas
“Estamosemumabatalhaemaisdametadedessabatalhaétravada na mídia,àdistância.Essabatalhatemporalvooscoraçõeseasmentes do nossopovo”. 2
Ayman al-Zawahiri
Resumo
Gerarpublicidade epropagandaéaxiomafundamentaldoterrorismo, que, historicamente, vale-sederecursostambémàdisposiçãodasociedadecontemporânea.Ainternetéum desses.
ComauniãodoefeitodedemonstraçãodofanatismodoséculoXIIcomoalcanceda comuni- caçãodoséculoXXI,aspalavras‘terrorismo’e‘cibernética’fundem-seegeramnova expressão
–terrorismocibernéticoouciberterrorismo–ecapitalizamefeitospsicológicosdecorrentes do temordodesconhecidoedaimprevisibilidadedoato,embasadosnadependênciadas socieda-
desnasredesdeinformação.AConvençãodeBudapesteestabeleceoqueconstitui crime cibernético,masépoucoprovávelqueoBrasilvincule-seautomaticamenteela.O momento
histórico,osreferenciaisinternacionaiseadisposiçãodoBrasilemaprimorarsua legislação sobrecrimescibernéticos ensejamprevertipificar autilização dainternet por organizações
terroristasedotaraatividadedeInteligênciadeEstadobrasileiracomosrecursos jurídicos necessáriosparaoacompanhamentoanalítico,estratégicoesistemáticodessas organizações.
Apresentação
Em 7 de outubro de 2001, algumas horas após o inicio da reação militar dos Estados Unidos da América (EUA)
contra instalações do regime Talibã e da al Qaeda no Afeganistão, um vídeo foi
divulgado por meio da internet e, depois, pela televisão. Nele, um homem magro, de barba longa e desarrumada, vestindo jaqueta militar camuflada, com turbante na cabeça, um fuzil AK-47 a seu lado e
1 Texto originalmente apresentado no Seminário Internacional: Crimes Cibernéticos e Investiga- ções Digitais, organizado pela Câmara dos Deputados, em 28 de maio de 2008.
2 Carta de 2005 de Ayman al-Zawahiri, vice-chefe da al Qaeda, para Abu Mussab al-Zarqawi, então comandante militar da organização no Iraque.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 21
Romulo Rodrigues Dantas
tendo montanhas ao fundo, falava de modo pousado, mas firme, olhando dire- tamente para a câmara. De modo desafi- ador, Osama bin Laden declarou, naque- le momento, o começo da segunda etapa da guerra que iniciara em 11 de setem- bro do mesmo ano.
A mensagem de bin Laden evidenciou que a internet também estava à disposição da al Qaeda, com qualidade, segurança, al- cance global e oportunidade, e que as armas à disposição da organização não mais se resumiam a fuzis e bombas, mas agora incluíam computadores, seus aces- sórios e periféricos.
Apropagandaé técnica essencialdequese valem organizações xtremistas, especialmentecom a finalidadede atrair seguidores.
Um dos axiomas mais duradouros do ter- rorismo o considera fundamentalmente destinado a gerar publicidade e atrair a atenção para os terroristas, as causas que defendem e a mensagem que objetivam divulgar.
Poucas palavras têm carga política ou emotiva semelhante a ‘terrorismo’. Estu- do do final da década de 90 constatou mais de cem definições do fenômeno, com 22 elementos conceituais diferentes. O ponto de convergência entre estes é que terrorismo é uma forma de ação não-tra- dicional, que considera o uso da violên- cia ou a ameaça de seu uso.
Ao se analisar a história do terrorismo, constata-se que é fenômeno em evolu- ção, que se vale de recursos também à
disposição da sociedade contemporânea. A internet é um desses.
As decorrências de tal constatação im- põem a governos e sociedades a necessi- dade de dispor e se valer de dispositivos legais e de segurança capazes de confron- tar a ameaça, porém sem restringir o aces- so à informação. Essa dicotomia traz de- safios crescentes ao modelo tradicional de monopólio da comunicação por entida- des estatais e comerciais, na medida em que organizações não-governamentais e de natureza não-democrática também se valem desses recursos para lograr fins políticos violentos.
A propaganda é técnica essencial de que se valem organizações extremistas, espe- cialmente com a finalidade de atrair se- guidores. Por décadas, material impres- so, vídeos com operações e treinamen- tos, discursos, história e realizações têm estado à disposição de interessados, em redes de distribuição difusas, clandesti- nas e de acesso limitado. Entretanto, no século XXI, pessoa interessada em conhe- cer, apoiar ou aderir a esse tipo de orga- nização pode individualmente e de ma- neira aberta se valer da internet e obter a informação desejada, tanto por meio de páginas estáticas quanto interativas, como
salas e fóruns de discussão.
Ao unir o efeito de demonstração do fa- natismo do século XII com o alcance glo- bal da comunicação do século XXI, as pa- lavras ‘terrorismo’ e ‘cibernética’ fundem- se e geram nova expressão, dimensão e conceito – terrorismo cibernético ou ciberterrorismo –, que capitaliza efeitos psicológicos decorrentes do temor do desconhecido e da imprevisibilidade do ato, embasados na dependência das so- ciedades nas redes de informação.
22 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Decorrências da utilização da internet por organizações terroristas
Igualmente, por se caracterizar como fenô- meno recente, o terrorismo cibernético ou ciberterrorismo também carece de defini- ção consolidada e universalmente aceita.
Isso decorre, provavelmente, do entendi- mento tradicional de que as expressões terrorismo e internet aparentemente não coexistem nem se complementam. Mas o certo é que essa combinação ainda é pou- co estudada pela ciência política.
Com essa percepção, objetiva-se discor- rer sobre a relação entre essas expressões. Apesar de serem apresentadas definições operacionais3 para se estabelecer bases de entendimento, não se terá por objeti- vo a busca de definição ideal ou satisfatória para elas, mas, apenas, ater-se a entendi- mentos que se fundamentam no senso comum da variedade de definições aca- dêmicas e governamentais sobre o tema.
Trata-se, assim, de percepção acadêmica e não se deve atribuir a ela valor institucional.
Estratégia Global das Nações Unidas de Contraterr orismo
A Estratégia Global das Nações Unidas de Contraterrorismo foi adotada pela As- sembléia-Geral em 8 de setembro de 2006. Esta estratégia estabelece ações concretas que devem ser implementadas, individual ou coletivamente, pelos Esta- dos-membros em matéria de terrorismo. Atividades de coordenação e cooperação
da estratégia incluem tarefas relacionadas a: facilitar sua implementação; fazer fren- te a ações radicais e extremistas que pos- sam resultar em atos terroristas; impedir
o uso da internet com finalidades terro- ristas; proteger os direitos humanos, mes- mo ao se combater o terrorismo; prote- ger e fortalecer alvos vulneráveis; apoiar e destacar as vítimas do terrorismo; e com- bater o financiamento do terrorismo.
No que se refere à utilização da internet com finalidades terroristas, os Estados- membros acordaram que a estratégia te- ria por objetivo identificar e proporcionar o debate com atores públicos e privados sobre o assunto e identificar maneiras possíveis de combater essa ação, nos ní- veis global, regional e sub-regional.
Ainda que se tenha incluído tópico sobre a prevenção ao uso criminal, é escasso o conhecimento sobre a ameaça represen- tada pela utilização da internet por terro- ristas, que a têm utilizado para recrutar adeptos, arrecadar fundos e estabelecer ações de propaganda, em escala global.
Utilização da internet por Or ganizações Terr oristas
O estudo da conexão entre terrorismo e internet – ou, conforme proposto neste ensaio, – tem sido objeto de interesse de acadêmicos e especialistas, dos setores privado e público, a partir da segunda metade da década de 90 e, especialmen-
3 Conforme estabelecido por Portaria de 2004 do Conselho Consultivo do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e os demais órgãos deste Sistema, terrorismo é a ameaça ou emprego da violência física ou psicológica, de forma preme- ditada, por indivíduos ou grupos adversos, apoiados ou não por Estados, motivado por razões políticas, ideológicas, econômicas, ambientais, religiosas ou psicossociais, e objetiva coagir ou intimidar autoridades ou parte da população, para subjugar pessoas ou alcançar determinado fim ou propósito (SISTEMA...,2004, grifo nosso). Terrorismo cibernético ou ciberterrorismo, aca- demicamente, é definido pela Escola de Inteligência, como o uso premeditado de ações de interrupção ou ameaça de interrupção de serviços com base em computadores ou redes de informação, com motivação criminal ou ideológica e visando a provocar danos ou intimidação .
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 23
Romulo Rodrigues Dantas
te, após os ataques de 2001. Walter Laqueur (2000) foi um desses visionários.
No âmbito acadêmico, artigos têm sido produzidos, vislumbrando supostos esfor- ços de organizações terroristas – sobre- tudo a al Qaeda – para a aquisição de meios técnicos, destinados à realização de ataques com super-alta tecnologia con- tra infraestruturas críticas ocidentais, par- ticularmente dos EUA, por meio de re- des de computadores.
Especialistas em áreas de Inteligência de Estado, inclusive no Brasil4, avaliam que, atualmente, é pouco provável que a al Qaeda ou qualquer outra organização ter- rorista conhecida tenha capacidade de re-
alizar ações que demandem emprego de recursos de alta tecnologia. Entretanto, há concordância de que fatores críticos para a continuidade da al Qaeda incluem plane- jamento operacional aprimorado; ênfase no sigilo das informações; uso planejado de técnicas de comunicação e propaganda; exploração de lacunas legais, além de criatividade e inovação na utilização de tá- ticas convencionais de ataque.
Organizações criminosas, movimentos radicais e a tendência deles à violência não representam novidade no cenário dos países. Governos têm continuadamente buscado formas de aprimorar sua capaci- dade de confrontar a ameaça. Para tanto, é fundamental dotar organismos de segu- rança e de Inteligência de Estado com trei- namento e recursos legais e materiais compatíveis com demandas que se apre-
sentam, respeitados competências espe- cíficas e limites estabelecidos.
Vive-se em uma Era em que a tecnologia da informação é parte integrante dos va- riados aspectos que compõem a socieda- de contemporânea. A internet é a ‘face’ mais conhecida do processo de globalização. As vantagens que compu- tadores, redes computacionais e tecnologia associada oferecem à socieda- de e ao comércio também auxiliam orga-
nizações criminosas a realizar suas ativi- dades, o que é facilitado pela ainda incipiente capacidade de resposta dos Estados, como parte de estratégia univer- sal concertada. O Brasil não é exceção.
Tipicamente, as páginas-web terroristas apresentam história e feitos da organiza- ção; biografia de líderes, fundadores e heróis; informações sobre objetivos alme- jados; e críticas aos opositores. De modo geral, o uso considera a internet para ar- recadar fundos, recrutar adeptos, obter informações e coordenar ações.
Muitas das condutas cometidas com o uso de computadores e redes computacionais surgiram em função desses objetivos, como invasão de sistemas e interceptação de comunicações eletrônicas sem autori- zação judicial. Naturalmente, a internet se constitui ambiente ideal para organi- zações terroristas, em decorrência: do fácil acesso; da carência de legislação universalmente aceita; do pouco contro- le ou de crítica governamental ou de ór- gãos de autorregulamentação; do alcan-
4 Nos termos do art. 3º da Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, cabe exclusivamente à Abin, órgão de assessoramento direto ao Presidente da República, que, na posição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, tem, exclusivamente a seu cargo, planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País, obedecidas a políti- ca e as diretrizes estabelecidas em lei.
O acompanhamento de manifestações do terrorismo de bases científica ou tecnológica integra a relação de assuntos acompanhados sob ótica analítica e estratégica pela Abin – especifica- mente, por meio do Departamento de Contraterrorismo –, com a finalidade de prevenir o terro- rismo e seu financiamento, no Brasil ou contra interesses brasileiros no exterior.
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Decorrências da utilização da internet por organizações terroristas
ce global a públicos-alvo imediato e po- tencial; da instantaneidade da comunica- ção; dos razoáveis anonimato e seguran- ça; do baixo custo de operação e manu- tenção; do ambiente multimídia; da sim- plicidade, entre outros fatores.
A internet é espécie de biblioteca digital, onde informações são obtidas a custo baixo e podem dizer respeito a serviços de transporte, imagens de infraestruturas críticas, horários e regras de acesso a edifícios públicos, aeroportos e portos; rotinas e procedimentos de segurança,
inclusive contra ações terroristas.
Em 2003, Dan Verton descreveu entre- vistas de organizações terroristas, sobre- tudo a al Qaeda,que operam com o auxi- lio de bases de dados com detalhes de objetivos potenciais ao redor do mundo e se valem da internet para obter Inteli- gência sobre tais objetivos. Com progra- mas computacionais comerciais ou espe- cificamente concebidos, identificam de- bilidades, projetam resultados desejados, avaliam impactos econômicos decorren- tes e resultados nos direitos civis.
Desafio Legal
Sob a ótica da Inteligência de Estado, as tarefas de responder a condutas crimino- sas envolvendo recursos computacionais não são triviais nem teóricas e impõem desafios: Técnicos – relativos à capaci- dade de se identificar fatos e situações de interesse; Legais – capazes de prover o embasamento jurídico de resposta ao delito; e Operacionais – para assegurar capacidade a profissionais de organizações especializadas de analisar de forma célere e com abordagem estratégica a vinculação entre terrorismo e internet, até mesmo no exterior.
O acompanhamento de atividades terro- ristas pela internet requer que agências de Inteligência de Estado disponham dos instrumentos legais imprescindíveis para a obtenção, em bases racionais, de dados e conteúdo relacionados à interceptação, análise e avaliação de tendências de ativi- dades terroristas e conexas a ela, com fis- calização e limites estabelecidos, proativamente. Entretanto, não deve com- petir a essas agências executar tarefas de natureza processual, forense ou de polí-
cia judiciária.
O primeiro acordo multilateral sobre cri- me cibernético foi firmado entre países europeus em 23 de novembro de 2001, em Budapeste, Hungria, sem a participa- ção do Brasil. Oacordo é conhecido como Convenção do Conselho Europeu sobre o Cibercrime, ou Convenção de Budapes- te. Essencialmente, esse instrumento ob- jetiva proteger a sociedade contra crimes na internet, por meio da adoção de legis- lação adequada e do avanço da coopera- ção internacional, decorrentes da conscientização acerca das mudanças do processo de comunicação digital.
O acordo entrou em vigor em 1º de julho de 2004, depois que cinco países o rati- ficaram, sendo três integrantes do Con- selho Europeu. Quarenta e sete países já ratificaram o tratado. Os EUA são o úni- co país de fora do Conselho Europeu que o ratificou, em 29 de setembro de 2006. O Japão e o Canadá o assinaram.
A uniformização da lei internacional centrada na convenção ainda é limitada e precisa ter a participação de maior núme- ro de países, além de sofrer adição de outras modalidades de delitos cibernéticos. Entretanto, para ser eficaz, necessita ter adesão universal, no âmbito
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 25
Romulo Rodrigues Dantas
das Nações Unidas, para poder potencializar suas chances de sucesso.
A convenção estabelece o que constitui crime cibernético e permite que as polí- cias de cada país cooperem nas investi- gações desses delitos, podendo até pren- der suspeitos de crimes cometidos fora de seu território. Críticos do documento questionam os poderes atribuídos à polí- cia, que, segundo eles, poderiam com- prometer a preservação da liberdade na internet. Muitos países já dispõem de le- gislações que permitem que organismos de segurança monitorem a internet, mas especialistas temem que esses poderes sejam ampliados nos países que adota-
rem o tratado.
Nãohá,entretanto,pr ovisão comoobjetivo de
proporcionarodebate com atorespúblicose privados sobreousodainternet com finalidadeterorista e
iidentificarmaneiras possíveis decombateressaação, nos níveisglobal,regional e sub-regional.
Discute-se no Brasil a agregação de no- vos paradigmas relativos ao delito eletrô-
nico, de forma a adequar o ordenamento jurídico brasileiro para responder a essa nova modalidade de crime e a possibilitar ao País se inserir em um modelo de coo- peração internacional – provavelmente, a Convenção de Budapeste –, para preve- nir e combater crimes cibernéticos. A análise e o monitoramento do uso da internet com finalidades terroristas deve- ria ser uma dessas adequações.
OLegislativo brasileiro tem buscado apri-
morar o debate sobre o tema e incorpo- rar contribuições ao substitutivo que o
senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) apresentou ao Projeto de Lei nº 76/2000, em tramitação no Senado. O substitutivo define e tipifica os delitos da área de informática e aglutinou três projetos de lei que já tramitavam no Senado, enfocando crimes e condutas realizados mediante uso de sistema eletrônico, digi- tal ou similares, de redes de computado- res, ou que sejam praticadas contra redes de computadores, dispositivos de comu- nicação ou sistemas informatizados e si- milares.
Nesse sentido, em 10 de junho de 2008, a Comissão de Assuntos Econômicos
(CAE) do Senado aprovou a proposta do senador Eduardo Azeredo para tipificar e punir os crimes cometidos com o uso das tecnologias da informação.
Com base nessa proposta, os novos tipos penais são: 1) acesso não-autorizado a dispositivo de informação ou sistema informatizado; 2) obtenção, transferência ou fornecimento não-autorizado de dado ou informação; 3) divulgação ou utiliza- ção indevida de informações e dados pes- soais; 4) destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia ou dado eletrônico alheiro;
5) inserção ou difusão de vírus; 6) agravamento de pena para inserção ou
difusão de vírus seguido de dano; 7) estelionato eletrônico; 8) atentado con- tra segurança de serviço ou utilidade pú- blica; 9) interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, infor- mático, telemático, dispositivo de comu- nicação, rede de computadores ou siste- ma informatizado; 10) falsificação de da- dos eletrônicos públicos; e 11) falsifica- ção de dados eletrônicos particulares.
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Decorrências da utilização da internet por organizações terroristas
Não há, entretanto, provisão com o obje- tivo de proporcionar o debate com ato- res públicos e privados sobre o uso da
internet com finalidade terrorista e iden- tificar maneiras possíveis de combater essa ação, nos níveis global, regional e sub- regional, contrariando o que dispõe a Estratégia Global das Nações Unidas de Contraterrorismo.
Também na Europa, já foram adicionados à Convenção de Budapeste, pelo Conse- lho Europeu, três novos delitos cibernéticos: propaganda, recrutamento e treinamento terroristas, com a intenção de, posteriormente, harmonizar o combate ao ciberterrorismo no continente. O Comitê de Especialistas em Terrorismo (Codexter, em espanhol) estuda o tema e pesquisa nos países as modificações necessárias no con- junto normativo existente, para combater essa forma emergente de crime.
Considerações Finais
Ocontinuado interesse no aprimoramen- to da legislação brasileira sobre o tema dos delitos digitais e a busca por incor- porações de atores públicos e privados sobre a matéria ensejam legitimidade, efi- cácia e identificação de ameaças para a ação do Estado brasileiro. Adicionalmen- te, criam oportunidades para considerar novas contribuições, que potencializam a capacidade de se adequar às novas mo- dalidades criminais que se apresentam nos níveis global, regional e sub-regional, en- tre elas, a utilização da internet por orga- nizações terroristas.
Internacionalmente, o referencial propor- cionado pela Convenção de Budapeste é reconhecido como marco da tentativa de harmonização da legislação de combate
às manifestações de crime cibernético. Apesar de esse fato representar passo
significativo na matéria, considera-se que sua eficácia é diretamente proporcional à adesão que obtiver.
Como principio e tradição da diplomacia do País, os sucessivos governos brasilei- ros aderem aos tratados cujo processo de elaboração considera interesses e percep- ções nacionais, posteriormente acordados no âmbito das Nações Unidas.
Assim, ao se cotejar princípios que norteiam a ação governamental brasileira com a gênesis do referencial jurídico dis- ponível, refuta-se como pouco provável que o Brasil vincule-se jurídica e automa- ticamente à Convenção de Budapeste, sem que o País seja convidado pelo Co- mitê de Ministros do Conselho Europeu ou que a Convenção seja discutida uni- versalmente para ser legitimada. A segun- da hipótese representaria reforço ao prin- cípio do multilateralismo no combate ao crime cibernético, numa evidência de compromisso e disposição dos 192 Esta- dos-membros das Nações Unidas para en- frentar o problema.
A utilização da Internet por grupos ter- roristas transcende o mero uso da tecnologia e alcança dimensões organizacional e de transformação estra- tégica, além de constituir método e meio capazes de disseminar informação origi- nal desses grupos, sem interpretações ou censura, de modo instantâneo e com al- cance global.
Essa nova modalidade de crime terrorista depende da revolução da informação e da tecnologia associada e tem foco na relevância do debate livre para o funcio- namento das instituições democráticas.
O momento histórico, os referenciais in- ternacionais e a disposição do Brasil em
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Romulo Rodrigues Dantas
aprimorar sua legislação sobre crimes
cibernéticos ensejam prever tipificar a utilização da internet por organizações terroristas e dotar a atividade de Inteli- gência de Estado com os recursos jurí- dicos necessários para o acompanhamen- to analítico, estratégico e sistemático dessas organizações.
Proativamente, essa ação previne a capa- cidade que têm as organizações terroris-
tas de potencializar, por meio da internet, não mais apenas o consumo de ideologi- as não-democráticas, bem como de pro- duzi-las e de usar os recursos de comu- nicação tecnológica como proposta de mudança de poder.
Referências
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BRAZIL’S ROLE IN THE FIGHT AGAINST TERRORISM
Delanne Novaes de Souza
Abstract
AlthoughBrazilhasaccomplishedallinternationalobligationsonterrorism,strategicand executive measuresarestilltotakeplace.Diplomacydoesnotseemtobeaninsurancepolicy against terrorism.Brazilianforeignpolicyonterrorismisanecessarybutnotasufficienttoolagainst the threat.Additionally,domesticlegislationdoesnotguaranteeinstitutional readiness.
Resumo
EmboraoBrasiltenhacumpridotodasasobrigaçõesinternacionaisquantoàprevençãoe ao combateaoterrorismo,medidasdecunhoestratégicoeinstitucionalquantoàmatériasão ainda necessáriasaoPaís. Ocumprimentodeacordosdiplomáticosnãorepresentaimunidade à ameaçaterrorista.Apolíticaexternabrasileiraacercadotemaéinstrumentonecessário, mas nãosuficientecontratalameaça.Ademais,leisdomésticasnãogarantemeficiêncianem eficácia às instituições.
1 The perception of the threat in Brazil
Brazilians in general, and even most Brazilian authorities, consider terrorism as an exogenous threat. It is something distant from the Brazilian mindset. As Salvador Raza (2006, p.61) argues, this state of mind is not derived by specific government’s policies, but by national culture.1 Brazilians view terrorism as something intrinsically and geographically associated with the Middle East and, in terms of its targets, with Israel and the United States of America (US).
There is no empirical data concerning terrorism in Brazil’s territory. As a result, any attempt to analyze terrorism strategically in Brazil is more related to policy-making per se than any other approach taken by the US, the United Kingdom (UK) or Spain, countries that were attacked by terrorism and, as a consequence, have different and more developed tools to face it. Certainly, Brazil has a lot to learn from them.
Although international terrorism has not taken place in Brazil, Brazilian citizens have been indirect victims of it. Brazilians
1 In respect of terrorism, Raza relates this Brazilian cultural trait as a cognitive break.
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Delanne Novaes de Souza
were among the victims of the World Trade Center (WTC) terrorist attacks in 2001; 2
of the bombings of tourist sites in Bali in 2002; of the United Nations (UN) office in Baghdad in 20033, and of the bombings in Madrid in 2004. More recently, in July 2005, following the bus bombings in London, a Brazilian, Jean Charles de Menezes, was mistakenly killed by a British counter-terrorism officer. No authority in the country, therefore, should ever consider terrorism as something distant from Brazilian reality.
Brazilian authorities are not totally
unaware of the fact that no country is immune to the potential threat posed by international terrorism.4 It is not, however, a perception shared by some of the highest authorities in the government. This misperception reflects a pattern not only present in Brazil, but also in other Latin American countries, if one takes the current threat posed by terrorism into account. As Salvador Raza (2005) points out, the recent terrorism is strategic, distinct from the conspirational terrorism typical of the seventies and mostly associated with the leftist movements of that period. This work focuses on the former, not the latter. Based on two hundred interviews made in Latin America, Raza (2006, p. 43) argues that Latin American businessmen, students and politicians are not prepared to comprehend the instrumental use of violence, such as terrorism.
In general, there is not much strategic thinking on the subject in Brazil (SILVA, 2006). Despite the overall lack of concern, it is worth mentioning the efforts of the Committee on Monitoring and Institutional Studies (SAEI) and of the Brazilian Intelligence Agency (Abin), both subordinated to the Institutional Security Ministry (GSI) of the Presidency of Republic. The former promoted two meetings on terrorism. One took place in July 2004, and the other in september 2005. More recently, on november, 30 and december, 1, 2006, Abin promoted its Second Seminar on Intelligence (State, Media and Terrorism). 5
At the Sixth Summit on National Strategic Studies (ENEE), held in Rio de Janeiro, at the Naval War School (EGN), from november 8 to november 10, 2006, Aldo Rebelo, then president of the Câmara dos Deputadosof Brazil, the equivalent of the US House of Representatives, addressed the interaction between the Legislative Branch of the Federal Government and the Armed Forces. He stated that Brazil is not a territory currently subject to international terrorist acts. His opinion is very significant due to two reasons: first, under the Federal Constitution, the President of the House of Deputies ( Câ- mara dos Deputados) assumes the Presidency in the absence of the President and the Vice-President of the Republic;
2 One hundred and sixty citizens of thirty different countries lost their lives in the attacks against the WTC.
3 Sérgio Vieira de Mello, the UN Special Representative for Iraq, was killed in a bomb attack on the UN headquarters in Baghdad in October, 2003. He was well-known for his work in East Timor.
4 Therefore, the Federal government, under the National Defense and Foreign Affairs Chamber (CREDEN), elected terrorism as one of the most prominent issue on its agenda.
5 Several officials and experts participated in the Seminar. Among them, Israeli and American Intelligence officials, diplomat Carol Fuller, Secretary of the Inter-American Committee against Terrorism of the Organization of the American States (CICTE) and Steven Monblatt, former Secretary of CICTE, Professors Daniel Pipes and Thomas Bruneau.
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Brazil’s role in the fight against terrorism
therefore, Rebelo was at the time one of the highest authorities in the country6 ; and, second, he is a politician not out of the circle of national strategic thinking. For instance, his very participation in the event mentioned above and his writings on security and defense prove the opposite. 7
He is not only a high political (legislative and potential executive) authority, but someone whose ideas are accepted by scholars and experts in international
relations, security and defense studies. Moreover, Aldo Rebelo seems not to agree with the ideas of imbalance
underlined in this work. Asked about Brazilian intelligence and defense capabilities to fight terrorism, he does not
notice any discrepancy or gap between Brazil’s international obligations and accomplishments, and its institutional
capabilities.
Even when security and defense are taken into consideration in a broad, strategic
perspective, most Brazilian civil and military strategic thinkers contemplate a
general strategic approach to security and defense, related to the classic guarantee of national sovereignty and multilateralism. This approach can be associated with two
specific aspects: first, a minor perception of interstate threat since the settlement of all disputes on international borders8 and the development of confidence-building and a strategic alliance with Argentina, through several mechanisms, such as the Brazilian-Argentine Agency for Accounting and Control of Nuclear Materials (ABACC) and the Common Market of the South (Mercosur)9, and, second, the potential spillage over Brazilian territory of the conflict between the Colombian Armed Forces and the Colombian Revolutionary Armed Forces (FARC)10, which could ultimately represent
a threat to Brazilian territorial integrity and institutional stability. Due to the potential threat posed by FARC and mainly by the great strategic relevance to Brazil, the major Brazilian strategic vulnerability is the Amazon (VIDIGAL, 2004, v.2, p.25). The implementation of the Surveillance System of the Amazon (SIVAM)11 and of the
Destructive Shooting Law (BRASIL, 2004), nicknamed ‘Lei doAbate’ is a result of this threat perception.
Two arguments serve the interests of those who perceive the country out of the reach of international terrorism: first, the general
6 The current President of the House of Deputies was Arnaldo Chinaglia, a member of the same Party of President Luis Inácio Lula da Silva, the Worker’s Party.
7 See Rebelo (2003, 2004); see also SEMINÁRIO DE POLÍTICA... (2003).
8 In this sense, for over 100 years Brazil has considered itself a ‘geopolitically satisfied’ country. See Lima & Hirst (2006, p. 21-40); see also Vizentini (2007) and Cervo (2002). Particularly regarding the Baron of Rio Branco and his role on Brazilian foreign policy, especially in respect of Brazil’s peaceful settlement of its borders, see Lins (1995) and Ricupero (2000).
9 Currently, the Mercosur is comprised of Argentina, Brazil, Paraguay, and Uruguay. Venezuela was accepted by the other members as a full member of the Bloc, though it still awaits the ratification of its membership by the Brazilian and Paraguayan Parliaments. Bolivia, Chile and Peru are associate members of the Bloc; Mexico is an observer. In respect of the perspectives of Brazil and Argentina concerning nuclear weapons, see the Treaty of Tlatelolco (1967), which established the region as a nuclear-free zone. For a brief history of Argentine-Brazilian relations, that comes back to the Portuguese and Spanish Empires in South America, see Jaguaribe (2005, p. 42-52).
10 For security and defense issues, see Vidigal (2004, v.2, p.13-36). For an overview of security in South America, see Rojas Aravena (2005, p. 53-77).
11 A project developed by Raytheon, worth of US$ 1.7 bi.
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Delanne Novaes de Souza
and traditional perception that Brazil is a peaceful, hospitable, tolerant, happy and united country.12 The second is the very nature of Brazilian foreign policy,13 a product of the values and principles of Brazilian society. Brazilian foreign policy traditionally seeks peace by peaceful means14 .
Several arguments confront the previous perception, which ultimately seems to be
a misperception of the threat posed by terrorism. The perception that the country and its people are traditionally peaceful and open to different cultures does not necessarily imply that Brazil’s society and state are immune to terrorist attacks against interests and nationals of countries frequently taken as targets, such as the US and Israel. The very possibility of being a stage of terrorism, due to the existence of visible and vulnerable spots in its territory and the presence of American and Israeli interests in the country, augments the magnitude of the threat to Brazil’s homeland security and to Brazilian foreign policy. Vulnerability and visibility are the most basic and important elements
for a terrorist action to take place. In this sense, the stage where the target is located is not necessarily relevant. Any country
has sites of great visibility and symbolism
that if targeted by terrorists would cause great repercussions throughout the world
(DINIZ, 2004, p.30). For instance, in 1998, when a suicide bombing of the US Embassy took place, was Tanzania a par- ticular target of terrorist acts? It does not seem so. The fact that Brazil was never threatened by any terrorist individual or organization does not necessarily mean
that acts of terrorism will never occur in the country. Hope is not a method. 15
Brazil’sroleinthe fight
against international terorismhasfocused on international cooperation, thesigningand ratification ofinternational conventions onterorismand the adaptation ofnational laws tothese instruments.
The problem seems to be graver if one considers some specific vulnerabilities Brazil faces. It is quite impossible to su- pervise and control 16,884.4 km of land
boundaries, with nine tri-border areas, and 7,491 km of coastline.16 Besides, as then Director of Abin, Márcio Paulo Buzanelli, highlights, intelligence actions,
even if international cooperation is taken into account, are limited (by nature). 17
12 For Darc Costa (2004, v.2, p.40), former vice-president of the Brazilian Economic and Social Development Bank (BNDES), this is the true (sic) Brazilian discourse.
13 Abrief overview of the current Brazilian foreign policy, even when considered the date published, can be found in Amorim (2004, p. 40-47). See also Lima & Hirst (2006). For an overview of Brazil’s international agenda, see Souza (2002).
14 As stated by Lima & Hirst (2006, p.38), Brazilian political and intellectual circles do not value military deterrence as a source of international and/or regional prestige. Since the nineteenth century, Brazil’s presence in South America has represented for the most part a factor of stability and peace that has contributed to the region’s profile as a zone of relative peace. Brazilian pacifism, nevertheless, as the current Brazilian Ambassador to the US, Antônio de Aguiar Patriota (1998, p.193), states, does not exclude the engagement of troops and materials in the troubled conflict theaters of Southern Africa, Central America and East Europe. The Peacekeeping operation in Haiti (MINUSTAH), under the military command of Brazil, also corroborates to this fact.
15 Although it seems to be an American cliché, especially in military circles, it also seems to be an appropriate idea here.
15 For an assessment of the vulnerability of Brazilian ocean waters, see Medeiros (2006).
17 For instance, by law (Law nº 9296/1996), Abin cannot do eavesdropping (BRASIL, 1996).
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Brazil’s role in the fight against terrorism
Brazil also lacks material, technological, financial and human resources. In addition, the very inexistence of an effective body to coordinate the actions
of the different sectors of the Brazilian government responsible for fighting terrorism is a gap to be considered. (BUZANELLI, 2004, p. 7-13)18 .
Even when all measures taken by Brazilian foreign policy are taken into consideration, terrorism does not seem to be a priority for the Brazilian authorities. When compared with economic issues, such as trade, for instance, it is quite clear that security and defense, in general, and terrorism, in particular, have a disproportionately reduced role in Brazilian foreign affairs (DINIZ, 2004, p.38). If social and economic development is one of the pillars of Brazilian foreign policy, it is reasonable that trade has a crucial role in the international agenda of the country. It would be, nevertheless, one of the greatest strategic mistakes if the misperception of terrorism as a threat prevented a more pro-active role in the fight against terrorism, consistent with the global threat the international community currently faces. Would not a terrorist act in Brazil be a tremendous setback for its social and economic development and other permanent aspirations of its foreign policy? It seems so.
2 A reflection on some international challenges posed by Brazil’s role in the fight against terr orism
Brazil’s role in the fight against international terrorism has focused on
international cooperation, the signing and ratification of international conventions on terrorism and the adaptation of national laws to these instruments. The feeling that
the international and legislative roles are very pro-active could potentially reduce interest in further steps, such as the development of a national strategy and structures to fight terrorism. Although Brazil has accomplished all international obligations on terrorism, strategic and executive measures are still to take place. Diplomacy does not seem to be an insurance policy against terrorism. Brazilian foreign policy on terrorism is a necessary but not a sufficient tool against the threat. Additionally, legislation does not guarantee institutional readiness (CEPIK, 2004).
In respect to international cooperation, intelligence sharing has improved the perception of the threat and the possibilities to fight terrorism. Doubts, however, persist. Are they a reasonable – not to say sufficient – tool to address the potential threat?
In the absence of a national strategy and an effective institutional apparatus for preventing and combating terrorism, the accomplishment of international obligations and the improvement of international cooperation do not guarantee a rational deterrent against
terrorism. Given the potential threat terrorism poses to the international community and to Brazil, despite recent institutional efforts and improvement in international cooperation, Brazil still lacks two elements in its fight against
18 Eugênio Diniz (2004, p.35) also states that difficulties in the Brazilian security and intelligence apparatus augment the vulnerability of possible targets. In this sense, he argues, the inexistence of any terrorist acts in Brazil so far could be a result of low probability of occurrence or a low detection capability, i.e., a greater vulnerability.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 33
Delanne Novaes de Souza
international terrorism: a national strategy and a better institutional apparatus for fighting it.
Being prioritized as they have been in the Brazilian fight against terrorism, diplomatic and legislative decisions can generate a sense of security and a feeling that the job of preparing for the threat is done. As Marco Cepik (2004, p.58) argues, in the debates on international security matters in Brazil, there is a persistent trend to restrict the issues to normative and legal aspects.
The imbalance between international and national components can pose at least two international challenges to Brazil: first, the absence of a national strategy and an effective institutional apparatus for preventing and combating terrorism could negatively affect Brazil’s aspirations to a permanent seat in the United Nations Security Council (UNSC), and second, the imbalance could jeopardize Brazil’s bila- teral and multilateral relations, particularly with the US, the EU and the other members of the Mercosur.
Brazil has historically pursued a permanent seat in the Security Council, and this goal has been one of the major objectives of its foreign policy. This aim is not recent19 . Being the non-permanent member that participated in UNSC more than any other non-permanent member, Brazil sees the permanent membership as a democratic shift in the international arena. The very
active participation of Brazil in the UNSC highlights its pro-active role as a player at the UN. For Brazil, the current UN system should not reflect the Cold War politics. To achieve its aim, Brazil has fully engaged in strategic diplomatic talks with countries that support its candidacy to a permanent seat, such as Germany, India and Japan (with Brazil, they comprise the so-called G4).
The G4 seeks to increase the number of UNSC members, from fifteen to twenty- five in total. Six would be permanent, and four would be non-permanent members. Regarding the veto power, the group has proposed not to have the right to veto for fifteen years. Additional discussions
concerning reforms of the UNSC will take place in the end of 2007. 20
This work has sought to emphasize the potential challenges Brazil could face due to its foreign policy on terrorism, and the implications of its actions for Brazil’s aspirations to UNSC permanent membership. Since the emphasis here is on the need for a national strategy for combating terrorism and not the UNSC permanent membership, all international geopolitical and geo-economic conditions and implications related to Brazilian candidacy are not being considered. The main point here is that given the current threat to international peace and security posed by terrorism, Brazil could strengthen its candidacy for a permanent seat on the UNSC by adopting a more pro-active role in the fight against
19 See Lampreia & Correa (1995). The book is a collection of all statements made by Brazil at the UNGeneralAssembly, from 1946 to 1995. It is particular useful to see the consistency of Brazilian foreign policy. Brazil aims a better position at international organizations in general. See Garcia (2000).
For an additional account of the Brazilian aspiration to UNSC permanent membership and a sharp analysis of the changes the Council has undergone since the Gulf War (1991), the humanitarian intervention in Somalia, in the ex-Yugoslavia, in Rwanda and in Haiti, see Patrio- ta, (1998).
20 For a more comprehensive analysis of all proposals for reforms of the UNSC, see Souza (2007).
34 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Brazil’s role in the fight against terrorism
terrorism, particularly concerning the development and adoption of a national strategy and an effective coordinating body for preventing and combating terrorism.
All current permanent members (the US, China, the UK, France and Russia) have adopted a national strategy for fighting terrorism. Although the development and adoption of strategies by the so-called P5 reflect an obvious response to terrorism by the majority of the most threatened states in the international community, it could indicate a gap in Brazil’s aspiration to a permanent seat in the Council. Since the US is a permanent member of the UNSC, it is particularly important regarding Brazil-US relations. 21
Anotherchallenge Brazilian foreignpolicyfacesis the frequentperceptionof the supposed xistence of terorismintheTri-Bor der (TB)region(Ar gentina, BrazilandParaguay)by the internationalcommunity .
Taken Brazil’s aspiration to a permanent seat in the UNSC into account, besides its economic and political influence globally and regionally, concerning its role on international security and peace, a pro- active role in the fight against terrorism domestically could be added to, for instance, Brazil’s participation in the UN peace operations, such as the current Mission of the United Nations for Stabilization of Haiti (Minustah). More than addressing its own homeland security,
Brazil would give an important signal to the international community.
Moreover, two other points should be considered regarding Brazil’s aspirations for a permanent seat in the UNSC: first, according to Chapter VII of the UN Charter, the UNSC is the very body that addresses threats to international peace and security and, second, members of the UNSC, especially the permanent ones, take part in the specific committees created to confront international terrorism, such as the Committee against Al Qaeda and the Taliban (1267 Committee), the Counter Terrorism Committee (CTC), the 1540 Committee and the 1566 Working Group. Hence, under the Charter, by definition, permanent membership in the UNSC implies a very pro-active role in the fight against terrorism, which is ultimately and practically a threat to international peace and security. Furthermore, membership also implies participation in the Committees mentioned before, which were established due to the increased perception of the threat after September 11, 2001.
As Brazilian Ambassador Rubens Ricupero (apud RAZA, 2006, p.59) emphasizes, Brazil, as an aspirant to a permanent seat in the UNSC, has to have a pro-active role in the conventions and strategies on terrorism developed in the UN. However, he does not take the lack of a Brazilian strategy into consideration. Therefore, concerning its aspirations, Brazil should not only actively participate in all developments taking place in the UN on terrorism, but also consider the very fact that it has no strategy to counter terrorism.
21 So far, the US supports only Japan.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 35
Delanne Novaes de Souza
The argument advanced herein thus goes beyond that of Ambassador Ricupero.
Another challenge Brazilian foreign policy faces is the frequent perception of the supposed existence of terrorism in the Tri- Border (TB) region (Argentina, Brazil and Paraguay) by the international community. There has been a plethora of studies that take the existence of terrorism in the region for granted.22 Fortunately, most are based on mere speculation and wishful thinking. They lack one of the most important tools of any analysis, namely, good sources, and thus analytical value. Dogma and political interests seem to play a role here.
Instead, two official documents, among several others, are important in relation to what has been discussed about the region in the 3 +1 Group on Tri-Border Area Security, particularly related to US-
Brazil relations. One is the US Department of State (DOS) Country Reports on Terrorism, 2005, released in April 2006
(UNITED STATES, 2006). The other is the Resolution 338 proposed in February 2006 by US Representative Ileana Ros- Lehtinen, among others.23 The DOS Report underlined that “the United States remained concerned that Hizballah and HAMAS were raising funds among the sizable Muslim communities in the region and elsewhere in the territories of the Three, although there was no
corroborated information that these or other Islamic extremist groups had an operational presence in the area ” (UNITED STATES, 2005, p. 157-158). The proposed resolution, in turn, states that “Whereas since at least the AMIA
bombing in 1994, Hezbollah has maintainednetworksinthetri-border area of Paraguay, Brazil, and Argentina — primarily focusing on fundraising and recruitment” (Ibid).
The two statements above reflect an apparent contradiction. All joint statements by the 3 +1 Group underline that there is no evidence of any terrorist activity in the TB area. All members of the Group agreed to share intelligence that could lead to any evidence of terrorist activity in the region. In addition, it is worth mentioning that all statements made by the Group are binding. Thus, while common people, scholars and even authorities claim that terrorist individuals or organizations have been acting in the region, intelligence and diplomatic officials of Argentina, Brazil, Paraguay and the US deny vehemently that there is any evidence related to terrorist activities in the area. Authorities of those countries have consistently denied the existence of terrorism in the TB through the 3 + 1 Group since 2002.24 Given all authorities that participate in the Group, it seems to be a much more prudent and rational, although political, approach than dogmatic statements made by scholars with no realistic information on what is really happening in the TB.
The very fact that the Group has not provided any evidence related to terrorism in the area, however, does not represent, in any way, a guarantee that there will not be terrorism in the region. Because of that,
even though the 3 +1 Group represents the very forum to address the problem politically based on intelligence, its
22 As one of several works on the TB and its supposed association with terrorism, see Raza (2005).
23 The Resolution was sent to the Senate and referred to the Committee on Foreign Relations in June, 2006. (UNITED STATES…, 2006).
24 The Group meets once a year.
36 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Brazil’s role in the fight against terrorism
declarations should not be considered insurance policies. Brazil should avoid any possibility of confronting the dogmatic arguments made by common citizens, scholars and even authorities with similar dogmatic approaches. All institutional measures yet to be taken, should be taken,
because Brazil is not only fighting unreasonable comments on one of the most important regions for its international trade and tourism, but also terrorism, an international threat that seeks to kill and destroy its targets by exploiting vulnerability and visibility.
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38 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
MUDANÇAS CLIMÁTICAS: Inteligência e Defesa 1
Uirá de Melo
Resumo
Esteartigotraçabrevehistóricodainstitucionalizaçãointernacionaldaproblemáticasobre ‘mu- dançasdoclima’.Apartirdascontribuiçõesdeoutrosautoresedasevidênciasencontradas nos estudosdoPainelIntergovernamentalsobreMudançasClimáticas(IPCC),publicadosem 2006
e2007,delineia,porfim,tendênciasparaaInteligênciaeosSistemasdeDefesa brasileiros.
Antecedentes
As primeiras percepções do fenômeno da influência antrópica sobre o equilí-
brio climático da Terra constaram em estu-
dos científicos na década de 1960. Os mo- delos pioneiros de análise temporal da vari- ação da temperatura demonstravam tendên-
cia de elevação anormal em comparação com parâmetros observados em períodos anteriores. Esta constatação foi o estopim para o início de estudos sobre o tema.
Acomunidade científica se dividia em dois grupos: aqueles que acreditavam na in- fluência do homem como modificador do equilíbrio climático e aqueles que nega- vam o protagonismo humano e acredita- vam que as variações observadas eram fenômenos cíclicos naturais do planeta.
Concomitantemente à polêmica entre ci- entistas, as atenções da comunidade in-
ternacional se voltaram para questões
ambientais, formalizadas pela Assembléia
Geral das Nações Unidas em 1972. Nes- sa oportunidade, os países estabeleceram as bases para a criação do arcabouço institucional que formaria o órgão de co- ordenação das ações das Nações Unidas, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). O PNUMA
firmou em 1988 o tratado para a
mitigação da emissão de gases danosos à
camada de ozônio, principalmente os clo- ro-fluor-carbonos. O sucesso dessa inici- ativa alimentou os anseios pela adoção de medidas semelhantes em relação aos ga- ses do efeito estufa (dióxido de carbono (CO2); metano (CH4); óxido nitroso (N2O) e outros).
Apesar da indefinição teórica sobre os resultados das ações humanas sobre o clima, os países reunidos no sistema ONU
decidiram, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
1 Artigo escrito em outubro de 2007.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 39
Uirá de Melo
o Desenvolvimento, a ECO-92, pela cri- ação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change (UNFCCC)), delineando, assim, as bases legais sobre as quais se estabeleceu o Protocolo de Quioto (PQ) em 1997, no Japão.
A Conferência das Partes da Convenção- Quadro, órgão gestor da UNFCCC, defi- niu mudança climática como “uma mu- dança de clima que possa ser direta ou indiretamente atribuída à atividade huma- na, que altere a composição da atmosfera mundial e que se some àquela provocada pela variabilidade climática natural obser- vada ao longo de períodos comparáveis”; firmou-se como um tratado universal; determinou como meta estabilizar a con- centração atmosférica de gases de efeito estufa; e criou, por conseguinte, a neces- sidade de se limitar e manter em níveis suportáveis as emissões líquidas globais de gases de efeito estufa.
A Convenção-Quadro possibilitou a cria- ção de protocolos que regulamentassem a maneira pela qual se alcançariam as metas estabelecidas para a manutenção da estabilidade climática, listadas abaixo:
• inventariar as emissões antrópicas de gases de efeito estufa (GEEs);
• elaborar programas de mitigação e adaptação;
• desenvolver tecnologias para redução e prevenção de emissões;
• proteger sumidouros (áreas de absor- ção de gases do efeito estufa);
• considerar a mudança do clima nas po- líticas sociais, econômicas e ambientais;
• promover pesquisa científica em mu- dança do clima; e
• educar, treinar e conscientizar a po- pulação acerca do tema.
Essas determinações foram contempladas no Protocolo de Quioto, que criou o ar- ranjo institucional operacional para o cum- primento das metas acima descritas. A adoção destas medidas pressupõe mudan- ças amplas, principalmente no arranjo tecnológico sobre o qual transcorrem as atividades econômicas.
Antecipando a Rodada de Doha da Or- ganização Mundial do Comércio (OMC) e sob pressão da Assembléia Geral da ONU, os textos aprovados no Japão ino- varam ao estabelecer como princípios pri- mordiais:
• o direito ao desenvolvimento;
• a responsabilidade histórica das na- ções mais desenvolvidas por terem processo industrial desenvolvido mais antigo;
• a responsabilidade comum de todos os países para a manutenção do equi- líbrio climático do planeta, contudo le- vando em conta as diferentes condi- ções sociais, econômicas e históricas de cada nação;
• a necessidade de recursos financeiros adicionais e transferência de tecnologia para combater os processos agravan- tes do efeito estufa.
40 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa
Aberto para adesões em 1997, o Proto- colo de Quioto entrou em vigor em feve- reiro de 2005. Otexto do acordo trouxe a diferenciação entre países desenvolvidos e emdesenvolvimento, delimitando para cada grupo obrigações diferenciadas. Os primei- ros, membros do Anexo I do Protocolo, têm a obrigação de reduzir suas emissões
5% abaixo do nível inventariado em 1990. Os países em desenvolvimento são incen- tivados a participar dos mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL).
Apesar de a produção de relatórios pelo Painel Intergovernamental sobre Mudan- ças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC))2 ser contínua des- de a década de 1990, as discussões sobre o aquecimento global continuaram contro- versas até 2006 e os dados da influência do homem sobre o clima ainda não tinham sido largamente divulgados. As informa- ções produzidas pelo IPCC passaram a ser intensamente veiculadas nos últimos dois anos, aumentando a conscientização sobre o problema e apresentando argumentos científicos que atestavam a influência antrópica sobre o equilíbrio climático. Segundo os últi- mos documentos apresen- tados pela comunidade ci- entífica e os relatórios do órgão da ONU, a tempera- tura da Terra teria aumen- tado 0,74 graus Celsius, nos últimos cem anos, e demonstra tendência de elevação para os próximos anos.
A comparação entre a evolução da con- centração de dióxido de carbono na at- mosfera e a evolução da temperatura re- vela relação diretamente proporcional entre as duas variáveis, como mostram os gráficos seguintes, apresentados por Mar- cos Freitas (2007):
EVOLUÇÃO ANUAL D A CONCENTRAÇÃO DE CO2 NA A TMOSFERA

PADRÕES DE EVOLUÇÃO D AS TEMPERATURAS GLOBAIS

2 Instituto criado no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas, formado por especialis- tas de diversas áreas, para avaliar os impactos das atividades humanas sobre o clima. O IPCC divulga, desde a década de 1990, relatórios sobre as condições climáticas e projeta cenários futuros.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 41
Uirá de Melo
Segundo os cientistas, a manutenção da te pela articulação de iniciativas para a
temperatura em 15 graus Celsius, em mitigação das emissões de GEEs e es-
média, pelo efeito estufa, torna o meio forços adaptativos das populações do
ambiente propício às atividades humanas e à vida de outros seres vivos. Os dados apresentados, reforçados ainda pela mai- or incidência de calamidades naturais nos
últimos 50 anos – como indica o gráfico
abaixo –, apontam para a modificação dessa média com a geração de conseqü-
ências graves, até o momento, não total- mente previsíveis.
globo, tendo em vista o aumento da tem- peratura já constatado e a impossibilida- de de solução imediata.
Mudanças tecnológicas
As iniciativas a serem adotadas pelos pa- íses para a mitigação e a adaptação (M&A) elevarão custos dos processos produtivos. Os projetos em
PADRÕES DE EVOL UÇÃO DO NÚMERO DE DESASTRES NA TURAIS

Data analysis: UNEP/DEWA/GRID-Europe
Data sources: EM-DAT, Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED), 2004.
M&Ainfluem dire- tamente no nível tecnológico, desde a atividade extrativista madei- reira à produção de chips. Mudan- ças nesse parâ- metro necessitam e provocam uma re- ação em cadeia em toda a sociedade; modificam, inclusi- ve, comportamen- tos.
• Mitigação
O Protocolo de Quioto previu a possibilidade da troca comercial de créditos de carbo-
no entre países de- senvolvidos – com
A elevação da temperatura, segundo o Protocolo de Quioto, impõe aos países problemas globais, solucionáveis somen-
obrigação de redu- ção de emissões – e países em desenvol- vimento. Esses créditos são gerados pe- los projetos de MDL3 implantados em
3 Os projetos de MDL devem ser monitoráveis, de longa duração e promover o desenvolvimento sustentável.
42 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa
países fora do Anexo I e por empreendi- mentos conjuntos (jointimplemen-tation ) para redução de emissões entre países de- senvolvidos. Criou-se, a partir dessa ini- ciativa, um mercado global de carbono, complementado na Europa pelo comér- cio de redução de emissões certificadas entre os membros da União Européia.
O Brasil é pioneiro em projetos de MDL, tem empresas especializadas neste setor e desponta como o terceiro maior em número de projetos (222) e taxas de re- dução de emissões, conforme o gráfico abaixo, apresentado por Marcelo Theoto (2007):
Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima. Os EUA detêm o centro financei- ro mundial, de onde virá grande parte do financiamento a iniciativas de contenção e redução de emissões. A escolha políti- ca estadunidense sobre este tema tem in- fluência global.
A política estadunidense de energia está baseada em três princípios fundamentais: segurança de suprimento; eficiência eco- nômica; e compatibilidade ambiental. Atu- almente, o primeiro fator tem peso maior que os demais. Apolítica externa dos EUA dedica extrema relevância à segurança de suas fontes de energia, e o carvão mine-

tCO2e
• A daptação
Os institutos internacionais em funciona- mento para as partes que já ratificaram o Protocolo de Quioto ainda carecem de força política e instrumentos suficientes e eficientes para estabilizar as emissões de GEEs. A não-ratificação pelos Estados Unidos da América (EUA), atualmente maior emissor de GEEs, impõe restrições à eficiência dos esforços previstos pela
ral desponta como solução nacional de médio prazo para possíveis crises no su- primento de petróleo ou elevação exces- siva dos preços desta commodity. Os da- dos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da Agência Internacional de Energia dos EUA e da British Petroleum apontam para au- mento na demanda primária mundial por energia, com intensidade maior para a demanda de carvão mineral (Anexo A).
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 43
Uirá de Melo
Os cenários político e econômico para o período 2008-20124 indicam, segundo as projeções mais conservadoras, eleva- ção na temperatura da Terra de até 2ºC decorrente da elevação das emissões de carbono (Anexo B), apesar da manuten- ção de esforços em pesquisas de outras fontes de energia mais limpas e aumento da eficiência energética5 .
Essas previsões associadas aos impactos climáticos já constatados pelos cientistas
impõem aos países a necessidade de pre- paração para as conseqüências econômi- cas e sociais do que Nicholas Stern, eco- nomista inglês, classificou como condi-
ções climáticas extremas (maior número de furacões, aumento do nível do mar, maior número de secas em áreas de tem- peratura já elevada, inundações maiores e em maior quantidade).
As projeções do IPCC estimam tendência destrutiva dos efeitos provocados pelo au- mento da temperatura em todas as regi- ões do planeta. Especificamente para a América Latina, o Grupo de Trabalho II – parte da equipe responsável pelos estu- dos dos impactos das mudanças climáti- cas para o 4º Relatório do IPCC – en- controu as seguintes conseqüências (INTERGOVERNMENTAL, 2007):
Probabilidade Forte Histórico e Projeções
Variabilidade Climática e maior ocorrência de eventos climáticos
extremos
- Chuvas intensas na Venezuela em 1999 e 2005
- Inundação nos Pampas argentinos em 2000 e 2002
- Seca no rio Amazonas em 2005
- Chuvas de granizo na Bolívia em 2002 e na Grande Buenos Aires/Argentina 2002
- O furacão Catarina no Atlântico Sul
- Temporada recorde em número de furacões no Caribe
Mudanças emprecipitação e aumento da temperatura
- Chuvas mais intensas na região Sudeste brasileira, no Paraguai, no Uruguai, nos Pampas argentinos e em partes da Bolívia influenciaram o cultivo de grãos e aumentaram a intensidade e a freqüência de inundações
- queda nas precipitações no sudeste argentino, sul do Chile, sul do Peru e oeste da América Central
- aumento de temperatura em 1º C na Mesoamérica1 e na América do Sul e 0,5º
C no Brasil
- como conseqüência da elevação da temperatura, a diminuição da neve nos Andes resulta em menor disponibilidade de água para uso doméstico e geração de energia para porções consideráveis da Bolívia, do Equador, da Colômbia e do Peru
4 Primeiro período obrigatório de redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) pre- visto para os países do Anexo I do Protocolo de Quioto.
5 Realizar o mesmo trabalho com menor gasto de energia e menor desperdício.
6 Termo que define a região do continente americano que compreende aproximadamente o sul do México, os territórios da Guatemala, El Salvador, Belize e as porções ocidentais de Honduras,
Nicarágua e Costa Rica.
44 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.
Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa
Probabilidade Forte Histórico e Projeções
Extinção de espécies em áreas tropicais da América Latina
- mudança da vegetação do semi-árido em partes do Nordeste brasileiro e no centro e norte mexicanos para cobertura vegetal árida, com reflexos nas espécies animais
- desflorestamento maior de florestas tropicais com extinção de espécies animais e substituição deste bioma pelas savanas
- desertificação e salinização de solos agricultáveis com efeitos adversos para os microorganismos
Elevação acelerada do nível do mar, variabilidade climática e eventos climáticos extremos devem afetar as
costas da América Latina
- nos últimos 10-20 anos, o nível do Atlântico subiu entre 1,2-3 mm/ano no sudeste sul-americano. O continuado aumento do nível do mar afeta populações costeiras, reduzindo a quantidade de água potável, extinguindo mangues, pressionando áreas habitadas, degradando reservas de corais e, conseqüentemente, o estoque de pescado
Futuro incerto para o Brasil
OBrasil não estará imune às conseqüênci- as das mudanças do clima. Segundo o IPCC, o País já vivencia muitas delas. A elevação do nível do mar, o aquecimento de áreas da Amazônia, a transformação do
semi-árido em árido e inundações no Su- deste provocam reações em cadeia, que vão desde o deslocamento de populações para regiões menos secas à movimentação de culturas agrícolas para outras áreas à procura de condições climáticas ideais.
O sítio Agritempo7, disponível na rede mundial de computadores, integrante do programa de Zoneamento Agrícola insti- tuído pelo governo federal, gerido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pelo Centro de
Pesquisas Metereológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri- Unicamp), traz projeções dos efeitos da
elevação da temperatura para as princi- pais culturas agrícolas no País. Para o cultivo da soja, no estado do Mato Gros- so, os gráficos gerados prevêem redução expressiva de área de plantio (Anexo C).
Na América do Sul, área de influência político-econômica do Brasil, os fenôme- nos ocasionados pela elevação continua- da da temperatura indicam eventos climá- ticos extremos, como secas nos Andes bolivianos, chuvas torrenciais e perda de áreas agricultáveis na Argentina, na Bolí-
via, na Colômbia, nas Guianas, no Paraguai, no Peru, no Suriname, no Uru- guai e na Venezuela. Essas ocorrências poderão pressionar contingentes populacionais contra os marcos fronteiri-
7 http://www.agritempo.gov.br
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 45
Uirá de Melo
ços e provocar migração ilegal, principal- mente, para áreas da Amazônia Legal.
Segurança e Mudanças Climáticas
O Coordenador de Programas e pesqui- sador do Oxford Research Group, Chris
Abbott (2008), baseado em apresenta- ção concedida à Polícia Federal australia- na em novembro de 2007, escreveu do- cumento intitulado AnUncertain Future: LawEnforcement,NationalSecurity and ClimateChange. No texto, o cientista in- glês destaca três modalidades de impac- tos socioeconômicos: a) perda de infra- estrutura; b) escassez de fontes de recur- sos naturais; c) migração de grandes con- tingentes populacionais.
Asalteraçõesdos padrões climáticos construirão contextoemque a Inteligênciaea Defesa serãopr otagonistas.
Neste cenário, não há uma separação tem- poral para a ocorrência dos eventos. A interação entre eles aumenta o potencial destrutivo e a complexidade dos proble- mas a serem solucionados pelas institui- ções nacionais e internacionais de segu- rança e defesa.
No âmbito interno, a migração de grupos inteiros, fugindo de secas e outras catás- trofes ambientais, como enchentes, avan- ço do mar sobre áreas habitadas, tem potencial de geração de conflitos de duas naturezas: a primeira entre comunidades já assentadas e contingentes migratórios internos e a segunda decorrente da pres- são desses grupos sobre o governo para a tomada de soluções rápidas.
Internacionalmente, Abbott (2008), Cleo
Paskal (2007) e a German Advisory Board for Global Change (Wissenchaftlicher
Beirat der Bundesregierung Globale Unweltveranderungen (WBGU)) destacam que, além da pressão sobre as fronteiras provocada pela migração decorrente das
mudanças do clima, o desaparecimento de ilhas e modificações de territórios pelo aumento do nível do mar poderão gerar disputas territoriais e questionamentos sobre soberania, uma vez que zonas eco- nômicas exclusivas deverão ser redefinidas e populações inteiras detentoras de iden- tidade cultural singular perderão suas ter- ras, tendo de ser deslocadas para áreas já pertencentes a outro Estado. O derreti- mento das calotas polares e a conseqüente abertura de novas passagens no Ártico, segundo Abbot e Paskal, poderão gerar disputas pelo controle de novas rotas de navegação. A pressão para as restrições das emissões de mercados emergentes – como a China, a Índia e, talvez, o Brasil e a Rússia – seria também fator de disputa e desestabilização entre os países.
Além disso, Abbott, Paskal e a WGBU apontam para a maior necessidade de fi- nanciamento e transferência de tecnologia de nações desenvolvidas para os Estados em desenvolvimento, os mais afetados pelos eventos climáticos extremos.
As implicações decorrentes dessas previ- sões são variadas e inter-relacionadas. Para Abbott, a polícia e a segurança jurí- dica seriam afetadas por demandas cres- centes por maior segurança nas frontei- ras; modificações na taxa de incidência e nos tipos de delitos; nova legislação para assegurar os programas de mitigação e adaptação; e melhor planejamento das polícias e corpos de assistência de emer- gência (no Brasil – a defesa civil) para aten-
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dimento a áreas e populações vítimas dos efeitos de desastres naturais.
Paskal (2007) e Abbott (2008) destacam ainda os desafios impostos à estabilidade da segurança nacional e aos militares que teriam de considerar: dificuldades para manutenção da capacidade de acionamento das forças militares que operariam em am- bientes sob influência de eventos climáti- cos extremos, colocando recursos huma- nos e materiais em risco; a perda de insta-
lações decorrentes de furacões ou do avan- ço do mar; maior necessidade de interven-
ções humanitárias; e maior demanda por intervenções para assegurar a estabilidade em áreas estratégicas.
O papel da Inteligência e da Defesa: o que já está sendo feito
O aumento de catástrofes climáticas em todo mundo impõe, a cada país e também ao Estado brasileiro, preparação para co- laborar com ações humanitárias e interven- ções com participação de militares, em todo o globo, destinadas a dirimir danos gerados por catástrofes naturais e confli- tos ocasionados pelas mudanças no clima.
As alterações dos padrões climáticos construirão contexto em que a Inteligên- cia e a defesa serão protagonistas. Dos órgãos de defesa serão exigidas respos- tas tempestivas a eventuais conflitos e ameaças à integridade territorial.
A Inteligência não será menos solicitada, pois seu caráter analítico e, em especial, sua habilidade para construção de prog- nósticos (ou cenários, estimativas) será ferramenta para a tomada de decisão do Executivo.
Nesse sentido, já em 2003, relatório pro- duzido pelo Pentágono identificava as mudanças climáticas como ameaça à se- gurança nacional estadunidense. Concep- ção encampada pela CNA Corporation (CNAC)8, que, auxiliada por especialistas e ex-militares de alta patente de todas as armas, produziu o documento National SecurityandtheThreatofClimate Change (Segurança Nacional e a Ameaça da Mu- dança do Clima). Odocumento da CNAC produziu as seguintes recomendações ao governo estadunidense:
1. As conseqüências das mudanças do cli- ma para a segurança nacional devem ser totalmente contempladas pelas estratégi- as de segurança nacional e defesa;
2. Os Estados Unidos da América devem assumir posição mais forte e protagonista para ajudar a estabilizar a mudança do clima em um nível que impeça a desestruturação significante da seguran- ça e estabilidade globais;
3. Os EUA devem se empenhar em par- cerias globais que colaborem com nações menos desenvolvidas na construção de capacidade e poder de recuperação para melhor administrarem impactos gerados pelas mudanças climáticas;
4. O Departamento de Defesa dos EUA deve aprimorar sua capacidade operacional por meio da adoção de pro- cessos de gestão nascidos no meio corporativo e de tecnologias inovado- ras que resultem em poder de combate maior e eficiente energeticamente;
8 Centro de pesquisa e análise, sediado nos EUA, que congrega o Center for Naval Analysis e o Institute for Public Research.
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5. O Departamento de Defesa dos EUA
deve elaborar uma avaliação dos possí- veis impactos nas instalações militares estadunidenses em todo mundo produzi- dos pelas mudanças climáticas nos próxi-
mos 30 a 40 anos.
...ospaísesterão de contemplarem suas estratégiasvoltadas ao combateàsmudanças do climanãosómedidaspara a diminuiçãodeemissões, mas, commesmaênfase,a criação dealternativasde adaptação aonovocenário climático.
Algumas destas medidas já foram contem- pladas pelo governo estadunidense, como se pôde depreender da disposição do pre- sidente George Walker Bush para a cons- trução de alternativa ao Protocolo de Quioto, externada na última reunião do Grupo dos 8 países mais influentes do mundo, em Berlim, Alemanha, e pela po- sição adotada pelos representantes diplo- máticos dos EUA em Bali, em dezembro de 2007.
O Departamento de Estado, na mesma direção, incorporou as mudanças climá- ticas aos temas de trabalho da Agência Central de Inteligência dos EUA (Cen- tral Intelligence Agency (CIA)), em aten- dimento ao solicitado no Global Climate ChangeSecurityOversightAct, apresen- tado ao Congresso estadunidense em abril de 2007.
Na mesma linha, o Ministério da Defesa Britânico (Ministry of Defence (MOD)),
que há muito identificava ameaças à se- gurança provocadas pelas mudanças cli- máticas como uma tendência para os pró- ximos anos, contratou, em setembro de 2007, por US$ 24 milhões, o UK Met OfficeHadleyCentrepara a pesquisa de áreas do globo onde as mudanças climá- ticas podem gerar conflitos e para avaliar e construir cenários de condições climá- ticas sobre as quais as forças britânicas podem ser empregadas.
A Austrália segue a tendência de sua ex- metrópole e também incorporou aos te- mas de segurança as implicações provocadas pelas mudanças climáticas.
Conclusão
As mudanças climáticas já exercem influ- ência importante na construção de prog- nósticos em todo o mundo. Os efeitos decorrentes das mudanças do clima e a própria existência destas já não são mais contestados. Resta à comunidade cientí- fica engajada no âmbito do IPCC e da UNFCCC responder às demandas surgidas das constatações de seus relató- rios e aos países responderem com pla- nejamentos de longo prazo que contri- buam com a redução das emissões e pla- nos para adaptação.
O protocolo de Quioto, apesar de ter vi- gência por mais quatro anos, já demons- tra sinais de ineficiência na mitigação das emissões e revela desarticulação entre os países participantes em decorrência da não adesão dos EUA. Um caminho viável para a diminuição das emissões arrasta- se ainda nos fóruns internacionais, sem sinais claros de que apresentará uma so- lução factível e de curto prazo.
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Neste cenário, os países terão de con- templar em suas estratégias voltadas ao combate às mudanças do clima não só medidas para a diminuição de emissões, mas, com mesma ênfase, a criação de al- ternativas de adaptação ao novo cenário climático. Planejamento que não traga previsões específicas voltadas para a adap- tação a esta nova realidade será incom- pleto e passível de fracasso.
Está claro que o exercício efetuado pelo CNAC e pelo Ministério da Defesa Britâ- nico (MOD – sigla em inglês) não é auto- maticamente transferível à realidade brasi- leira, mas serve como exemplo para um país que pleiteia protagonismo na região sul-americana e nas discussões acerca do tema das mudanças climáticas. Não há, até o momento, no Brasil, coordenação inter- na suficiente entre as instituições públicas afeitas ao tema que permitam ao País pre- caver-se e preparar-se para os desafios na
área de segurança e defesa que a questão impõe, apesar do Decreto n.º 6.263, de 21 de novembro de 2007, que cria o Co- mitê Interministerial sobre Mudança do Clima – coordenado pelo MMA –, e da intensa participação brasileira em fóruns internacionais por meio de sua represen- tação diplomática e técnica.
Países que não estejam preparados para lidar com o tema das mudanças climáti- cas e suas conseqüências tendem a ser retardatários nas ações globais acerca do problema, perdendo força política inter- nacional e colocando a estabilidade inter- na em perigo. Uma participação leniente na busca de soluções para a questão em tela levaria esses países a dependerem da contribuição internacional para a manu- tenção da segurança e para cumprir me- tas e cronogramas estabelecidos no âm- bito da ONU.
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