A IMPORTÂNCIA DA INTELIGÊNCIA COMO OBJETO DE ESTUDO PARA O CAMPO DA DEFESA NO BRASIL
Arthur Macdowell Cardoso *
Resumo
Essencialparaquetodasasaçõesnocampodadefesasejamdesenvolvidascombase em conhecimentosprecisoseoportunos,aInteligênciadesempenhaumpapelcrucialna Defesa Nacional.Comoelementointrínsecoàdefesa,aAtividadedeInteligênciaproporcionaaca - pacidadedeproduzirconhecimentosestratégicospormeiodeumametodologiaque busca serisentadeviéseimparcial.Apesardesuaimportânciaparaadefesa,aInteligênciaé pouco contempladacomoobjetodeestudonocampoacadêmicodosestudosestratégicosnoBra - sil.EstetrabalhoabordaopapeldaInteligêncianessecampodeestudos,sua importância comoferramentaparaoassessoramentoestratégicoaosprocessosdecisóriosdoEstado no âmbitodadefesaeoatualcenáriodosestudosvoltadosàInteligêncianocampodos estudos estratégicosno Brasil.
Palavras-chave: AtividadedeInteligência;Defesanacional;Estudosestratégicos; Inteligência de defesa.
Introdução
Apartir da redemocratização do Brasil, concretizada com a Consti -
tuição Federal de 1988, iniciou-se um prolongado processo de transformação da estrutura da Defesa Nacional. Este processo foi responsável pela extinção do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), do Conselho de Segurança Na - cional e pela criação do Ministério da Defesa (MD), em 1999. Tal reforma teve como objetivo modernizar a estrutura da Defesa, buscando aproximá-la dos pa - drões vigentes em outras repúblicas de - mocráticas (OLIVEIRA, 2005).
Outra reformulação conduzida no mes - mo período e que merece destaque foi a alteração na estrutura da Atividade de In - teligência do país. O Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1964 para desenvolver a atividade de Inteligência, foi extinto em 1990. De 1990 a 1999, a unidade responsável pela atividade de Inteligência do país sofreu muitas altera - ções de nome e de subordinação. A Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, reestruturou a atividade de Inteligência: criou o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e a Agência Brasileira de Inte -
* Graduando do bacharelado de Defesa e Gestão Estratégica (DGEI/UFRJ) e pesquisador vo - luntário do Laboratório de Segurança Internacional e Defesa Nacional (LABSDEN/CEE/ESG).
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ligência (Abin), órgão central do novo sistema, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSIPR). Como atribuições legais da Abin, podemos destacar o pla - nejamento, a execução, a coordenação, a supervisão e o controle das Atividades de Inteligência no país e a implementa - ção de medidas para a proteção de infor - mações de interesse estratégico relativas à segurança do Estado e da sociedade. Como órgão central, também é sua res - ponsabilidade coordenar e integrar as atividades do Sisbin.
Em 2002, o MD, membro integrante do Sisbin e responsável pelo fornecimento de dados e conhecimentos específicos relacionados à defesa, criou o Sistema de Inteligência de Defesa (Sinde) por meio da Portaria Normativa n° 295, de 3 de junho. Com isso, procurava otimizar a estrutura de Inteligência voltada para o desempenho e a coordenação da Ativi - dade de Inteligência de Defesa.
As reformas implantadas na defesa oca - sionaram uma considerável desmilitari - zação da sua estrutura nos níveis polí - tico e estratégico, tornando crescente a necessidade da formação de profissionais civis para atuarem no campo da Defesa. A Estratégia Nacional de Defesa (END), documento responsável pelo estabeleci - mento das diretrizes estratégicas no âm - bito da Defesa Nacional, define capaci - tação de especialistas civis no campo da defesa como de interesse estratégico do Estado, sendo responsabilidade do Go - verno Federal o apoio às universidades no desenvolvimento de estudos relativos à defesa (END, 2012).
Com o auxílio de iniciativas federais, a exemplo do Programa de Apoio ao Ensi - no e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Pró-Defesa), criado pelo MD em 2005, buscou-se incentivar projetos capazes de criar redes de co - operação acadêmica na área de Defesa Nacional no país.
As mudanças impostas às estruturas da Defesa nacional, bem como a criação de cursos de graduação e pós-graduação no campo da Defesa, são marcos no de - senvolvimento de uma nova mentalidade de Defesa Nacional no Brasil e desem - penham um papel importante na formu - lação do arcabouço teórico de futuros profissionais da Defesa.
Tendo como objetivo a produção e a di - fusão de conhecimentos estratégicos ca - pazes de auxiliar os processos decisórios do Estado, a Atividade de Inteligência desempenha papel essencial na Defesa Nacional. Embora valiosa como ferra - menta para a elaboração e a condução de políticas públicas voltadas à defesa, a Inteligência está pouco presente no cam - po dos estudos estratégicos no Brasil.
O objetivo deste trabalho é abordar a im - portância da Inteligência como objeto de estudo para o aprimoramento das capa - cidades analíticas inerentes à formulação e à coordenação das políticas e estraté - gias da Defesa Nacional. Serão primeiro apresentados os principais documentos que norteiam as ações do Estado volta - das à defesa, sendo destacado o papel da Inteligência e da capacitação dos recur - sos humanos, em especial os civis, para o campo. Em seguida, será abordada a Atividade de Inteligência e seu papel
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como ferramenta de assessoramento à defesa. O tópico seguinte será dedicado ao estudo da defesa em instituições civis no Brasil, sendo, em seguida, abordado o estudo da Inteligência nestes espaços. Por fim, serão expostas algumas breves considerações finais.
A Política e a Estratégia Nacionais de Defesa
A partir da Lei Complementar n° 97, de 1999, instrumento normativo que dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas (FAs), fica esta - belecida a responsabilidade do poder Executivo em enviar, para apreciação do Legislativo, três documentos funda - mentais da Defesa Nacional, a Políti - ca Nacional de Defesa (PND), a END e o Livro Branco de Defesa Nacional, todos obrigatoriamente renováveis em um período de quatro anos.
A PND é o documento condicionante de mais alto nível do planejamento de ações destinadas à Defesa nacional. Voltada essencialmente para ameaças externas, estabelece objetivos e orientações para o preparo e o emprego dos setores militar e civil em todas as esferas do Estado, em prol da Defesa Nacional (PND, 2012).
A PND explicita os conceitos de Segu - rança e Defesa Nacional, em que a Se - gurança é definida como: “a condição que permite ao País preservar sua sobe - rania e integridade territorial, promover seus interesses nacionais, livre de pres - sões e ameaças, e garantir aos cidadãos o exercício de seus direitos e deveres constitucionais”. Já a Defesa Nacional é
definida como: “conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expres - são militar, para a Defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemen - te externas, potenciais ou manifestas” (PND, 2012, pp.1-2).
Além da definição dos conceitos funda - mentais relacionados à Defesa Nacional, a PND contextualiza o cenário interna - cional contemporâneo, enfatizando a delicada posição ocupada pelo Brasil e sua postura perante aquele. Explicitadas as questões relativas ao Brasil, seu en - torno estratégico e o contexto interna - cional, a PND estabelece oito Objetivos Nacionais de Defesa a serem alcança - dos para a preservação da soberania e dos interesses nacionais, sendo também determinadas orientações para guiar o comprimento destes (PND, 2012).
A partir das premissas e dos Objetivos Nacionais de Defesa estabelecidos pela PND, foi elaborada a END, documen - to que busca propiciar a execução da PND. Configurada para a construção de uma estratégia de caráter dissuasó - rio, a END busca o aperfeiçoamento das capacidades de preparo e emprego das FAs e da sociedade civil em prol da Defesa Nacional.
A Inteligência é descrita pela END (2012) como uma atividade voltada para o acompanhamento de situações e atores que possam vir a representar potenciais ameaças ao Estado e para proporcionar o alerta antecipado ante a possibilidade de concretização de tais ameaças. Por meio dela, busca-se que todos os planejamentos – políticos, es -
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tratégicos, operacionais e táticos – e sua execução sejam desenvolvidos com base em conhecimentos confiáveis e oportu - nos (PND, 2012, p.33).
A END (2012) também aborda direta - mente o ensino e a capacitação de pro - fissionais civis para o campo da Defesa, definindo como objetivo:
“Promover maior integração e participa - ção dos setores civis governamentais na discussão dos temas ligados à Defesa, através, entre outros, de convênios com Instituições de Ensino Superior e do fo - mento à pesquisa nos assuntos de Defe - sa, assim como a participação efetiva da sociedade brasileira, por intermédio do meio acadêmico e de institutos e entida - des ligados aos assuntos estratégicos de Defesa” (END, 2012, p. 41).
Uma vez que o papel das Instituições de Ensino Superior (IES) tido como funda - mental para a participação da sociedade brasileira nos assuntos da defesa, o do - cumento busca se aprofundar no dire - cionamento ideal das questões relativas ao ensino. Dessa forma, a END atribui ao MD a responsabilidade de promover estímulos a encontros, simpósios e se - minários destinados à discussão de as - suntos de relevância estratégica à Defesa Nacional. Determina, também, que o ministério deverá implementar ações e programas voltados à promoção e à dis - seminação de pesquisas essenciais à for - mação de recursos humanos para a área da Defesa. Para o cumprimento dessas atribuições, a END determina que o MD deverá manter uma Política de Ensino de Defesa (PEnsD)1, tendo como obje - tivo acelerar o processo de interação do
ensino militar, em particular no nível de Altos Estudos, e capacitar civis e milita - res para a própria Administração Central do ministério e para outros setores do governo, de interesse da Defesa (END, 2012). A PEnsD reconhece como obje - tivo a capacitação de recursos humanos da área de Inteligência, com ênfase na elaboração de documentos prospectivos e na análise nos campos científico, nucle - ar, cibernético e espacial.
No intuito de promover essa capacita - ção, o Governo Federal deve apoiar, nas universidades, um amplo espectro de programas e cursos que versem sobre a Defesa (END, 2012). Buscando aten - der a esta demanda estratégica por es - pecialistas civis em assuntos de defesa, crescente desde a criação do MD em 1999, foram idealizados os primeiros cursos dedicados ao campo da defesa em IES do Brasil.
A Atividade de Inteligência
Conformedefinido naLei nº 9.883/1999, a Abin é responsável por planejar e exe - cutar ações, inclusive sigilosas, referentes à obtenção e à análise de dados destina - dos à produção de conhecimento para o assessoramento à Presidência da Repú - blica. Também é sua responsabilidade a execução de medidas de proteção de co - nhecimentos sensíveis, relativos aos inte - resses nacionais e à segurança do Estado e da sociedade. A mesma lei determina, ainda, que compete à Abin promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de Inteligência, assim como a realização de estudos e pesquisas para
1 Cf. Decreto n°7.247, 25 de agosto de 2010. Publicado no D.O.U. de 26/08/2010, p.8.
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o exercício e o aprimoramento da ativida - de de Inteligência (BRASIL, 1999, Art. 4°, V). A Escola de Inteligência2 (Esint/ Abin) é responsável pela formação, pela capacitação e pelo aperfeiçoamento dos profissionais de Inteligência da Abin e, também, pela qualificação e pelo apri - moramento em Inteligência de servido - res de órgãos integrantes do Sisbin.
Servindo como instrumento legislativo complementar, o Decreto n° 4.376, de 13 de setembro de 2002, dispõe sobre a organização e o funcionamen - to do Sisbin, composto por represen - tantes de diversos ministérios, sem vínculo de subordinação. Cabem aos integrantes do Sisbin, a produção de conhecimentos, o planejamento e a execução de ações relativas à obtenção e à integração de dados e informações, o intercâmbio destas informações, bem como o fornecimento de conhecimen - tos de Inteligência à Abin, seu órgão central. Uma das mais desafiadoras atribuições do Sisbin é a identificação e a prevenção de ameaças internas e externas à ordem constitucional (BRA - SIL, 1999), função que demanda um acompanhamento permanente de inú - meras ameaças concretas e potenciais. Para a execução desta tarefa, é essen - cial que o Sistema disponha de profis - sionais com altas capacidades analíti - cas, aptos a considerarem uma ampla variedade de fatores multidisciplinares para a produção de conhecimentos úteis ao assessoramento, nas suas es - feras de atribuições.
A Política Nacional de Inteligência (PNI)
A Política Nacional de Inteligência (PNI) é o documento de mais alto nível para a orientação da atividade de Inteligên - cia no país e já estava previsto na Lei n° 9.883/1999. Foi aprovado em 2016 pelo presidente interino Michel Temer e publicado no Diário Oficial da União, em 29 de junho, por meio do Decreto n° 8.793/2016.
Responsável pela definição dos parâ - metros e limites da Atividade de Inteli - gência e seus executores, a PNI (2016) estabelece seus pressupostos, instru - mentos, diretrizes e objetivos no âmbito do Sisbin. Como instrumento de gestão pública, a PNI (2016) busca estar em perfeita sintonia com os preceitos da Polí - tica Externa Brasileira e com os interesses estratégicos definidos pelo Estado, como aqueles consignados na PND e na END.
Os recursos humanos são definidos como um fator estratégico, sendo enfa - tizadas as ações de capacitação, forma - ção e desenvolvimento de pessoal para a Atividade de Inteligência (PNI, 2016). Portanto, há uma sintonia entre a PNI (2016) e a PEnsD no que tange à ca - pacitação de recursos humanos para a Atividade de Inteligência e aos benefícios que essa proporciona às capacidades de produção de conhecimentos estratégicos úteis ao Estado e à Defesa Nacional.
As capacidades analíticas proporciona - das pela capacitação no campo da Inte - ligência, voltadas ao assessoramento de processos decisórios desenvolvidos pelo
2 Sobre a ESINT ver: www.abin.gov.br/atividadeinteligencia/escola-de-inteligencia/. Acesso em 25/7/2016.
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Estado e ao acompanhamento perma - nente de circunstâncias de interesse es - tratégico, permitem o emprego de técni - cas capazes de produzir conhecimentos estratégicos objetivos.
A Inteligência de Defesa
Conduzida em caráter permanente mes - mo em situação de paz, a Atividade de Inteligência de Defesa (AID) é definida como o conjunto de ações de Inteligência desenvolvidas “no interesse da Defesa, englobando os ramos Inteligência e Con - tra-inteligência” (MD, 2002). Sua finali - dade é o acompanhamento de situações e atores que possam vir a representar po - tenciais ameaças ao Estado, permitindo o alerta antecipado ante a possibilidade de concretização de tais ameaças.
Conduzida pelo MD através do Sinde, a AID é responsável pela coleta e pela análise de informações de interesse es - tratégico para a defesa, utilizados para o assessoramento a decisores políticos e estratégicos. Instituído por meio da Por - taria Normativa n° 295/2002 do MD, o Sinde é a plataforma responsável pela integração das ações de planejamento e execução da AID, tendo como integran - tes todos os órgãos de Inteligência do MD e das FAs, sistemicamente conecta - dos sem vínculos de subordinação.
A produção de conhecimento, principal objetivo da AID, é regulada por meio da Doutrina de Inteligência de Defesa (DID), definida como: “o conjunto de conceitos, princípios, normas, métodos e processos que orienta e disciplina a Atividade de Inteligência no âmbito do SINDE” (MD, 2002).
O Sinde foi idealizado para aperfeiçoar e integrar as Atividades de Inteligência já conduzidas pelos Órgãos de Inteligência do MD e das FAs. Através dele, é rea - lizado o assessoramento ao Ministro da Defesa e ao Chefe do Estado-Maior Con - junto das Forças Armadas (CEMCFA), respectivamente, os decisores estratégi - co e operacional de mais alto nível no âmbito da defesa.
Na defesa, a Inteligência está presente em todos os níveis de seus processos decisórios. Seu emprego é essencial para que todas as ações desenvolvidas no campo da defesa sejam conduzidas com base em conhecimentos confiáveis e oportunos (END, 2012).
O estudo da Defesa em instituições civis no Brasil
Desenvolvidos quase que exclusivamente em instituições de caráter militar até o final do século XX, os estudos de Defe - sa só foram introduzidos em instituições civis do Brasil após a reformulação da es - trutura da Defesa Nacional, no início da década de 1990.
A formulação da PND e da END foi conduzida especialmente com a ideia de que “a Defesa do país é inseparável do seu desenvolvimento” e que “preser - var a segurança requer medidas de lar - go espectro”, envolvendo várias áreas e instituições nacionais, muitas das quais não implicam qualquer envolvimento das FAs (PND, 2012). Essa nova men - talidade criou uma demanda por pro - fissionais capacitados para atuação com diferentes especialidades e perspectivas. Tal demanda impulsionou a criação dos
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cursos de graduação e pós-graduação dedicados ao campo da defesa. Em abril de 2017, foi assinado e homologado o parecer do Conselho Nacional de Edu - cação/Câmara de Educação Superior nº 147/2017, que autoriza a inserção da Defesa no rol das Ciências estudadas no país (MEC, 2017).
Neste tópico, serão apresentados os atu - ais cursos de graduação, pós-graduação e Altos Estudos destinados à formação de profissionais para o campo da defesa, com ênfase nos conduzidos por meio de IES de caráter civil.
Criada pela Lei n° 785/1949, publicada em 20 de agosto de 1949, a Escola Su - perior de Guerra (ESG)3 é um Instituto de Altos Estudos de Política, Estratégia e Defesa e tem como objetivo desen - volver e consolidar os conhecimentos necessários ao exercício de funções de direção e assessoramento superior para o planejamento da Defesa Nacional, nela inclusos os aspectos desenvolvimentistas introduzidos pela PND (2012). Como principal centro de estudos dedicado aos Altos Estudos da Defesa no país, a esco - la é responsável pela realização de cur - sos, pesquisas, palestras, seminários e outras atividades acadêmicas dedicadas ao tema. É através da ESG que o MD realiza a maioria de suas ações e progra - mas para a promoção e a disseminação de pesquisas essenciais à formação de recursos humanos para a área da De - fesa. Hoje subordinada diretamente ao gabinete do Ministro da Defesa, a ESG também atua como uma das principais plataformas para o ministério promover
maiores integração e participação dos setores civis e governamentais na discus - são de temas ligados à defesa. Embora idealizada inicialmente para a capacita - ção de oficiais dos estamentos superio - res das três forças, a busca pelo estímu - lo intelectual multidisciplinar fez que, a partir de 1951, a ESG recebesse tam - bém a contribuição de civis de diversos segmentos profissionais.
A criação do MD e o desejo pela cons - trução de uma nova mentalidade de de - fesa no Brasil levaram também à criação das primeiras graduações e pós-gradua - ções dedicadas aos estudos estratégicos e de defesa no país.
Conduzido por meio do Instituto de Estu - dos Estratégicos (INEST) da Universidade Federal Fluminense (UFF), o Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança (PPGEST) é o primeiro curso de uma IES de caráter civil a contemplar os estudos da defesa. Tendo início a partir do Programa Pró-Defesa, foi autorizado em dezembro de 2007 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC) e iniciou suas atividades em 2008.
A única outra IES no Brasil a se dedi - car aos estudos estratégicos no nível de pós-graduação é a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), respon - sável pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI), criado em 2010. No PPGEEI, são conduzidos os cursos de Mestrado e Doutorado em Estudos Estratégicos.
3 Informações detalhadas sobre a ESG podem ser obtidas na página da instituição na internet: http://www.esg.br. Acesso: 7/9/2017.
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Instituído a partir do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão de Universidades Federais (REUNI) em 2009, o Bacharelado em Defesa e Ges - tão Estratégica Internacional (DGEI) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi o primeiro curso de graduação criado para a formação de profissionais civis para a área da defesa e ainda é o único. Idealizado como essencialmente multidisciplinar, o curso é atualmente mi - nistrado em diversos institutos do cam - pus da Cidade Universitária, tais como o Centro de Letras e Artes, o Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza e o Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (COPPEAD)4 .
A graduação promove anualmente a Se - mana de Defesa e Gestão Estratégica Internacional (SDGEI). O evento propor - ciona uma plataforma para o aperfeiçoa - mento das capacidades acadêmicas dos alunos de DGEI, em que os graduandos desfrutam de uma rara oportunidade de apresentar estudos especificamente de - dicados à temática de defesa. Não limita - da à participação de graduandos do cur - so, a SDGEI é também uma importante plataforma para a maior integração do DGEI com outras instituições, cursos e a sociedade em geral, importante também para a consolidação dos estudos estraté - gicos como uma área de conhecimento essencialmente multidisciplinar.
A criação do DGEI foi um importante marco para o aprimoramento das capaci - dades de defesa do país. Os estudos da defesa foram ampliados em direção a uma
variedade de campos de conhecimento, ajustando-se ao contexto essencialmente multidisciplinar introduzido pela PND, e não são, portanto, percebidos como área de interesse exclusivamente militar. Norteado por essa mentalidade, o Ba - charelado em DGEI foi idealizado com o objetivo de:
“[…] preparar gestores e operadores com sólida formação em estudos estra - tégicos e defesa capazes de formular, coordenar e aplicar políticas e recursos, prospectar cenários, lidar com situações de risco e de incerteza e executar ope - rações diversas nos planos doméstico e internacional.” (UFRJ, 2009).
A cooperação entre os acadêmicos da defesa e as FAs na produção de conhe - cimento se dá, especialmente, por meio de atividades promovidas por institui - ções de ensino e pesquisa do MD. Em busca de conhecimentos mais específi - cos ao campo da defesa, muitos acadê - micos frequentemente recorrem a essas instituições. Esse relacionamento é ex - cepcionalmente produtivo por meio das atividades conduzidas pelos centros de pesquisa de duas destas instituições: o Centro de Estudos Estratégicos (CEE) da ESG e o Centro de Estudos Políticos e Estratégicos da Escola de Guerra Naval (EGN). Há ainda o Instituto Brasileiro de Estudos de Defesa Pandiá Calógeras (Ibed), centro de pesquisas que, como a ESG, é responsável por assessorar di - retamente o MD, tendo como objetivos produzir análises, promover o diálogo e estimular a produção de conhecimentos acadêmicos sobre temas de interesse es - tratégico à Defesa Nacional.
4 O bacharelado de DGEI é a única graduação a desfrutar o privilégio de ter disciplinas minis - tradas pelo COPPEAD, instituto de excelência no campo da administração, antes dedicado exclusivamente à pós-graduação.
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A importância da Inteligência como objeto de estudo para o campo da Defesa no Brasil
O estudo da Atividade de Inteligência no campo dos estudos no Brasil
Como ferramenta voltada ao acompa - nhamento de circunstâncias e atores estratégicos aos interesses nacionais, a Inteligência desempenha um papel im - portante no assessoramento dos proces - sos decisórios desenvolvidos pelo Esta - do, sobretudo no âmbito da defesa.
Embora definida pela END (2012) como ferramenta pela qual os conhecimentos essenciais aos processos decisórios da defesa são elaborados, a Inteligência é pouco contemplada como um objeto de estudo formal no campo dos estudos es - tratégicos no Brasil.
A Atividade de Inteligência, como con - junto de ações voltadas à produção de conhecimentos estratégicos capazes de assessorar na elaboração e na implemen - tação de políticas públicas, bem como ao acompanhamento de ameaças concretas ou potenciais ao Estado e à sociedade, possui um potencial considerável no aperfeiçoamento das capacidades analíti - cas de acadêmicos da defesa. A chegada desta nova geração de estudantes e fu - turos profissionais do campo da defesa, indivíduos com capacidades desenvolvi - das em ambientes com metodologias dis - tintas de seus antecessores, está sendo responsável por uma transformação nas relações entre civis e militares. A inser - ção da Inteligência como objeto de estu - do nestes espaços, além de aperfeiçoar as capacidades analíticas dos alunos e fa - miliarizá-los com as estruturas nacionais operantes no âmbito do Sisbin, poderia contribuir também com a disseminação da cultura de Inteligência, aproximando -a
da esfera acadêmica e colaborando para a valorização da Inteligência como ativi - dade essencial do Estado.
Como argumenta Martins (2015), o avanço de estudos e pesquisas dedica - dos à Inteligência contribui não apenas para o aprendizado dos que a estu - dam, mas também para o aperfeiçoa - mento das noções metodológicas da própria Inteligência:
“As pesquisas, estudos e reflexões teó - rico-doutrinárias em Inteligência e te - mas afins retroalimentam as atividades de ensino, levando à incorporação de novas práticas, tecnologias, abordagens metodológicas e alterações doutrinárias” (MARTINS, 2015, p. 17).
No campo da defesa, a capacitação de recursos humanos para a Inteligência permite o aperfeiçoamento de técnicas voltadas à produção de conhecimentos imparciais úteis ao assessoramento dos processos decisórios em todos os níveis da defesa. Ela é também uma ferramenta essencial para o processo de avaliação de riscos impostos por ameaças à defesa e de possíveis vulnerabilidades nacionais.
A ESG foi a primeira instituição nacional a se dedicar ao estudo da Atividade de Inteligência, buscando institucionalizar a formação de recursos humanos na área. Em 1996, foi instituído o Curso Superior de Inteligência Estratégica (CSIE), refor - mulado em 1999, com a criação do MD. Conduzido ao longo de vinte semanas, o CSIE permanece como um dos principais mecanismos para a capacitação de recur - sos humanos para a Atividade de Inteli - gência, tendo formado 468 profissionais desde sua restauração (CSIE, 2016).
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Além do CSIE, a ESG também promove outras atividades acadêmicas dedicadas à Inteligência. Em 2014 e 2015, foi rea - lizado o Seminário de Inteligência Estra - tégica, evento que possibilitou uma ino - vadora aproximação dos Altos Estudos de Inteligência Estratégica promovidos pela ESG com acadêmicos. O seminá - rio abordou questões contemporâneas relativas ao papel da Inteligência e seu uso como ferramenta pelo Estado, pos - sibilitando aos acadêmicos presentes a oportunidade de se familiarizarem com o tema e as estruturas nacionais dedi - cadas a estas atividades. Em 2016, o Laboratório de Segurança Internacional e Defesa Nacional (LABSDEN) do CEE da ESG contemplou a Inteligência como uma de suas linhas de pesquisa, propor - cionando uma rara oportunidade de ini - ciação científica no tema.
Nos poucos cursos dedicados ao estu - do da defesa nas IESs de caráter civil no Brasil, a Inteligência permanece como uma temática pouco explorada. No ba - charelado de Defesa e Gestão Estraté - gica Internacional (DGEI/UFRJ)5 e no Programa de Pós-Graduação em Estu - dos Estratégicos da Defesa e da Segu - rança (PPGEST/UFF)6, a Inteligência não é contemplada com uma disciplina pró - pria. Na principal publicação acadêmica do Inest a Revista Brasileira de Estudos Estratégicos, um dos poucos periódicos acadêmicos dedicados aos estudos es -
tratégicos no Brasil, a Inteligência nunca foi contemplada como objeto de estudo por nenhuma de suas publicações7 .
O Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI/UFRGS) se destaca por ser o único programa de pós-graduação de es - tudos estratégicos a possuir uma discipli - na dedicada especificamente ao estudo da Inteligência. Intitulada: “Inteligência governamental na guerra e na paz”, a disciplina tem como objetivo:
“discutir criticamente a literatura de inte - ligência governamental, introduzindo os alunos aos fundamentos conceituais do objeto, à história da atividade de inteli - gência desde o início do século XX, às relações entre a inteligência e a guerra e, por fim, as relações entre a inteligên - cia e a política internacional.” (UFRGS, 2017).
Sendo a Atividade de Inteligência essen - cial para que o planejamento e a execu - ção de todas as ações conduzidas no âmbito da defesa desenvolvam-se com base em conhecimentos confiáveis e oportunos (END, 2012, p.33), os aca - dêmicos do campo da defesa precisam estar devidamente familiarizados com essa importante ferramenta do processo decisório para o qual estão sendo inten - cionalmente preparados para participar.
Tanto o bacharelado de DGEI (UFRJ) quanto o PPGEST (UFF) têm como ob - jetivo a capacitação de profissionais para
5 A estrutura curricular de DGEI está disponível em: www.siga.ufrj.br/sira/repositorio-curriculo/ distribuicoes/E51458A0-92A4-F79C-018B-32800BF8936D.html. Acesso em: 5/9/2017.
6 A estrutura curricular do PPGEST pode ser encontrada em: www.ppgest.uff.br/index.php/ estrutura-curricular. Acesso em: 5/9/2017.
7 Todas as edições da Revista Brasileira de Estudos Estratégicos podem ser encontradas em: www.inest.uff.br/index.php/rest/inicio . Acesso em: 6/9/2017.
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A importância da Inteligência como objeto de estudo para o campo da Defesa no Brasil
o assessoramento de alto nível no campo dos estudos estratégicos (UFRJ, 2009; INEST, 2017). Assim, é possível obser - var uma sintonia entre a proposta peda - gógica desses cursos e os objetivos da Atividade de Inteligência, uma vez que ambos compartilham o compromisso com a produção de conhecimentos ne - cessários ao aprimoramento das capaci - dades do Estado Brasileiro e à salvaguar - da de sua sociedade.
Entretanto, o estudo da Atividade de Inteligência vem sendo negligenciado nestes raros espaços dedicados ao es - tudo da defesa no Brasil, espaços cuja proposta é, justamente, a capacitação de civis para o assessoramento estratégico a questões de defesa. A ausência da Inte - ligência como disciplina e a falta de um docente especialista no tema dificulta o desenvolvimento de artigos acadêmicos que contemplem a Inteligência como tema e distancia os alunos de uma área essencial para os processos decisórios da Defesa Nacional.
Até o momento (2017), nenhuma mo - nografia defendida para a obtenção do diploma do bacharelado de DGEI (UFRJ) contemplou a Inteligência como objeto
de estudo. Tampouco foi a Inteligência contemplada como tema por sequer uma das sessenta e nove dissertação de mes - trado do PPGEST(UFF)8. No PPGEEI (UFRGS, 2017), único espaço a ofere - cer uma disciplina estritamente dedicada à Inteligência, também não há teses ou dissertações que tenham contemplado a Inteligência como tema9 .
Salvo as periódicas atividades desen - volvidas no âmbito da ESG, das quais os acadêmicos eventualmente podem participar voluntariamente, são poucas as oportunidades disponíveis aos alunos para se familiarizarem com a Atividade de Inteligência. Uma das raras exce - ções se deu durante a terceira edição da SDGEI, em 2013, quando foi promovi - do o painel: “A comunidade de Inteligên - cia brasileira: Espionagem para quem?”, evento que contou com a presença de um Oficial de Inteligência da Abin como palestrante convidado10 .
Para o aprimoramento das capacidades analíticas destes acadêmicos, seria ideal que estes fossem preparados para o uso da Inteligência como ferramenta para o assessoramento de processos decisórios no campo da defesa. Por meio do estudo da Inteligência, os graduandos poderiam
8 As dissertações defendidas para a obtenção do título de mestre no PPGEST (UFF) podem ser encontradas em: ppgest.uff.br/index.php/dissertacoes-defendidas-ppgest. Acesso: 13/9/2017.
9 As teses e dissertações defendidas no PPGEEI (UFRGS) estão disponíveis em: https://www. ufrgs.br/ppgeei/?page_id=272 , acesso: 10/9/2017.
10 A III SDGEI ocorreu de 11 a 14 de dezembro de 2013, no auditório do Centro Cultural Pro - fessor Horácio de Macedo, localizado no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, contando com a presença de estudantes do curso de DGEI, graduandos e pós-graduados dos cursos de Direito, Gestão Pública para o Desen - volvimento Econômico e Social, História, Ciências Econômicas, Geografia, Letras, Ciências Sociais, Ciências da Computação, Administração, Relações Internacionais, assim como de ouvintes de UFRJ, UFF, UFRRJ, PUC Rio, UnB, UFPR, IBMEC, ISE La Salle, UERJ, UniRio, USP, Colégio Pedro II, empresas, grupos e profissionais oriundos das Forças Armadas e das Forças Auxiliares (SDGEI, 2013).
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Arthur Macdowell Cardoso
aprender não apenas sobre a estrutura do Sisbin e suas atribuições, mas tam - bém técnicas para a produção de conhe - cimento em uma metodologia específica que busca a verdade, sem influências ideológicas ou outro viés.
Porém, não sendo a Atividade de Inteli - gência contemplada como um objeto de estudo específico nesse campo acadêmi - co, os estudantes que não buscam tais conhecimentos individualmente desco - nhecem, como boa parte da sociedade brasileira, a natureza da Atividade de In - teligência, sua estrutura institucional no Brasil e seu papel no processo decisório de políticas e estratégias nacionais. Pri - vados de estudos idealizados para aper - feiçoar a produção de conhecimentos dedicados ao assessoramento em situa - ções de tomada de decisão e gerencia - mento de crises, os graduandos acabam por permanecer leigos quanto à impor - tância da Inteligência para o Estado e a sociedade brasileiros.
Considerações finais
Apesar do considerável avanço da defesa em se fazer presente na esfera acadêmica e incluir a sociedade civil e sua capacita - ção para o campo da defesa como ele - mento fundamental das capacidades na - cionais, objetivo estratégico reconhecido pela END (2012), à luz do paradigma essencialmente multidisciplinar introdu - zido pela PND (2012), a Inteligência permanece pouco presente no campo dos estudos da defesa no Brasil.
Embora seja uma atividade essencial para o assessoramento dos processos
decisórios desenvolvidos pelo Estado para a elaboração e a implementação de políticas públicas, bem como para a condução de todas as ações desenvolvi - das no âmbito da defesa (END, 2012, p. 33), a Atividade de Inteligência é negligenciada como objeto de estudo nos poucos espaços dedicados à defesa na esfera acadêmica civil. Salvo o pro - grama de pós-graduação e o doutora - do da UFRGS, nenhum outro curso de graduação ou pós-graduação dedicado à defesa possui disciplinas voltadas es - pecificamente à Inteligência. A produ - ção acadêmica dedicada ao tema nestes espaços também é modesta.
A inserção da Inteligência como objeto de estudo no campo da defesa permiti - ria aos discentes o aperfeiçoamento de técnicas voltadas para a produção de co - nhecimento em uma metodologia espe - cífica que busca ser isenta de viés e útil ao assessoramento estratégico. Também proporcionaria a familiarização com as estruturas nacionais dedicadas à Ativida - de de Inteligência e o papel do Sisbin na defesa dos interesses nacionais. Sobretu - do, sua inserção na academia colaboraria para o aprimoramento da cultura nacio - nal de Inteligência, proporcionando um espaço onde o tema poderia ser debati - do e aprimorado, possibilitando também a aproximação da sociedade acadêmica de defesa com o tema e a valorização da Inteligência como uma atividade essen - cial para o Estado e à Defesa Nacional.
A consolidação dos estudos da defesa no contexto acadêmico foi um balizador para o avanço da produção de conhe - cimento neste campo. Orientados por
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A importância da Inteligência como objeto de estudo para o campo da Defesa no Brasil
doutrinas de perspectivas abrangentes quanto à natureza da defesa e à sua multidisciplinaridade, as graduações e pós-graduações de estudos estratégi - cos se tornarão os principais núcleos para a capacitação de profissionais civis para o campo da defesa. Porém, a au - sência da Inteligência como objeto de estudo nestes espaços poderá ter como consequência a preservação da distância
existente entre a Inteligência e a comu - nidade acadêmica no Brasil.
Conclui-se pela necessidade e pela im - portância de atividades de estudo e pes - quisa voltadas ao tema da Inteligência no campo dos estudos estratégicos no Bra - sil, reconhecido como objetivo específi - co pela PEnsD e como um instrumento essencial da Inteligência Nacional pela PNI (2016).
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REFERENCIAIS BÁSICOS PARA A CAPACITAÇÃO DE PROFISSIONAIS DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
Hélio Hiroshi Hamada *
Renato Pires Moreira **
Resumo
Existeumalacunanasaçõesformativasdeprofissionaisqueatuamnaatividadede Inteligência deSegurançaPública(ISP)noBrasil,que,porsuavez,estácarentedereferênciasqueorien - temodesenvolvimentodematrizescurricularesdecursosdecapacitação.Porsetratarde uma atividadeespecializada,destinadaàproduçãoesalvaguardadeconhecimentosnecessários à tomadadedecisãonosdiversosníveisdeassessoramentoestatal,osprofissionaisque atuam nessaáreanecessitamdeumacapacitaçãoespecíficaquecontenhaumabasefilosóficaedou - trináriacapazdeproporcionarsuporteaseutrabalhodiário.Postoisso,foramanalisadaslitera - turasespecializadasemISPedocumentosquetratamdeeducaçãoprofissionalnas instituições desegurançapública,oquegerouumresultadoteórico-práticodereferenciaisbásicos que auxiliamnaspropostasdecurrículosdecursosdecapacitação.Nessesentido,os referenciais propostospartemdascompetênciasemissõesdasinstituiçõesdesegurançapública, alinhados comostemastratadosnoâmbitodaDoutrinaNacionaldeInteligênciadeSegurançaPública e suasconexõescomosconhecimentos,habilidadeseatitudesesperadosdosprofissionaisdeISP .
Palavras-chave: Inteligênciadesegurançapública;MatrizCurricularNacional;Segurançapú - blica;Perfilprofissiográfico;Mapeamentode competências.
Introdução
Aatuação de profissionais de Inteli - gência de Segurança Pública (ISP)
no Brasil surge como debate na medida em que há a necessidade de se qualificar a atividade e seus produtos voltados para o controle da criminalidade e da violên - cia. A atividade de ISP é prioritariamen -
te executada pelas forças policiais nos níveis federal, estadual e municipal 1
para subsidiar decisões estratégicas e operacionais que orientem as políticas e ações em suas respectivas áreas de atri - buição e competência. Neste cenário, a capacitação de profissionais que atuam
* Doutor em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atuação como chefe do Centro de Pesquisa e Pós-graduação da Polícia Militar de Minas Gerais.
** Analista de Inteligência. Especialista em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública. Especialista em Política e Estratégica e em Polícia Judiciária Militar. 2º Sargento da Polícia Militar de Minas Gerais.
1 Em se tratando de atividade de Inteligência, as demais agências que compõem o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) também colaboram com o fluxo de informações, a exemplo da Agência Brasileira de Inteligência, Exército, Marinha, Aeronáutica e Receita Federal, que mantém acompanhamento de campos de interesse na área da segurança pública.
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Hélio Hiroshi Hamada - Renato Pires Moreira
nessa atividade é fundamental para que haja padronização e efetividade dos esforços institucionais.
O propósito do presente artigo é discutir questões que permeiam a capacitação de profissionais que lidam com a análise de informações, cujo emprego de técnicas especializadas e ações próprias da ativi - dade de ISP têm a finalidade de produ - ção de conhecimentos úteis e oportunos com vistas ao assessoramento do proces - so decisório. Por certo, esse campo da ISP se mostra carente de referências que orientem o desenvolvimento de matrizes curriculares de cursos de capacitação. Por cursos de capacitação, entende-se os direcionados a policiais já formados, designados para agências de Inteligência e que necessitam de conhecimento mais aprofundado e treinamento especializa - do para o exercício da função.
Para a discussão do assunto em pauta, emerge a seguinte problemática: quais são os referenciais básicos que devem orientar os currículos voltados para a capacitação de profissionais de ISP no Brasil? Nessa acepção, foi realizada uma pesquisa de natureza exploratória base - ada em levantamento bibliográfico espe - cializado no assunto e pesquisas em sites das diversas instituições de segurança pú - blica do país, com o intuito de encontrar respostas ao questionamento em pauta.
Dessa forma, este artigo se desenvol - ve numa perspectiva teórico-prática para orientar ações formativas que envolvam profissionais que atuam na
atividade de ISP, de forma a auxiliar a elaboração de currículos de cursos de capacitação nas instituições que lidam com segurança pública.
Concepções sobre capacitação em Inteli - gência de Segurança Pública
O surgimento de sistemas de Inteligên - cia nas forças policiais não é um fenô - meno recente. No entendimento de Cepik (2003), está inserido na terceira matriz histórica dos serviços de Inteli - gência contemporâneos2 inicialmente voltados para a manutenção da ordem interna, que remontam a atividades de - senvolvidas na Europa na primeira me - tade do século XIX, principalmente em decorrência de movimentos inspirados na Revolução Francesa e do desenvol - vimento do movimento operário anar - quista e socialista. Segundo o autor, atualmente, tais sistemas ainda cuidam da segurança interna, porém com outros focos, a exemplo de terrorismo, crimes graves e proliferação de armas.
No Brasil, somente no ano 2000, por meio do Decreto nº 3.695, foi criado o Subsistema de Inteligência de Seguran - ça Pública (Sisp) no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin). O Sisp é composto pelas instituições que atuam na segurança pública e tem por finalida - des coordenar e integrar as atividades de ISP no Brasil e suprir os governos federal e estaduais de informações que subsi - diem a tomada de decisão neste campo.
Notadamente, para a execução da ISP , é necessário que haja um corpo per -
2 Segundo Cepik (2003), a primeira matriz refere-se à Inteligência externa, voltada para as atividades de diplomacia, a segunda à Inteligência de defesa, voltada para a busca de infor - mações de guerra, e a terceira à Inteligência de segurança, com foco em policiamento.
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Referenciais básicos para a capacitação
de profissionais de Inteligência de segurança pública no Brasil
manente e dedicado de integrantes nas agências de Inteligência das instituições de segurança pública. Gonçalves (2016, pp. 48-49) destaca que são objetivos da ISP “identificar, acompanhar e avaliar ameaças reais ou potenciais de seguran - ça pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem ações para neutralizar, coibir e reprimir atos crimi - nosos de qualquer natureza”. Para atin - gir tais objetivos, os profissionais de ISP precisam lidar rotineiramente com recur - sos especializados, o que exige um pre - paro para a função desempenhada. Nesse ponto, o foco recai sobre os recursos hu - manos, cujas instituições devem incenti - var cursos de formação e aperfeiçoamen - to com o objetivo de capacitá-los para o desempenho de suas atribuições dentro de critérios de eficiência e eficácia.
As especificidades da atividade de ISP fa - zem que haja uma atenção para a capaci -
tação dos recursos humanos. Telemberg (2015, p. 108), afirma que “a formação na área de Inteligência segue a (sic) nor - mas e padrões flexíveis e diferenciados, de acordo com sua finalidade e carac - terística”. Assim, os recursos humanos a serem empregados devem receber o treinamento específico de acordo com cada segmento (Inteligência e Contrain - teligência) e a busca de conhecimento protegido ou negado (Operações de In - teligência), com o foco nos objetivos da atividade de ISP .
Do ponto de vista do tipo de formação, Telemberg (2015, pp. 111-112) apresen - ta um esquema de formação continuada para analistas e agentes de Inteligência que pode ajudar na formulação de cur - rículos para capacitação de recursos hu - manos a serem empregadas na atividade de ISP, conforme se vê no QUADRO 1:
QUADRO 1: Conhecimentos necessários para a formação continuada de profissionais de Inteligência.
Nível de formação Analista de Inteligência Agente de O perações
Básica
Conhecimentos especializados compatí - veis com o setor de atuação, aliado a algum treinamento quanto a técnicas, métodos e doutrina .
Domínio de técnicas especializadas, méto - dos e doutrina.
Intermediária
Ênfase na especialização, algum conhe - cimento interdisciplinar aliado a um sólido treinamento quanto a doutrina, técnicas e métodos de procedimento.
Ênfase em técnicas, métodos, procedi - mentos e doutrina, que visam, em especial, ao planejamento, aliado a algum conteúdo para adequar o profissional às coberturas mais comuns .
Avançada
Ênfase nos conhecimentos político- sociais, visão interdisciplinar, sólidos conhecimen - tos de doutrina, técnicas e métodos para a produção de documentos mais livres com vistas a valorizar a visão prospectiva.
Ênfase no treinamento individual capaz de adequar o profissional à estória- cobertura específica, aliado ao treinamento sobre o planejamento de operações, cujos técni - cas, métodos e procedimentos já seriam do domínio do operador .
FONTE: Adaptado de Telemberg (2015, p. 103).
A partir da formação continuada pro - posta por Telemberg (2015), infere-se a necessidade de se ter parâmetros em matrizes curriculares para atender as de - mandas dos três níveis de formação dos profissionais de ISP .
Discussões contemporâneas acerca da construção de matrizes curriculares
Em se tratando de capacitação de recur - sos humanos, há de se reportar, neces - sariamente, às matrizes curriculares de
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Hélio Hiroshi Hamada - Renato Pires Moreira
cursos para que elas atendam aos objeti - vos da profissionalização, no caso, de in - tegrantes das instituições que compõem o Sisp para o exercício da atividade de ISP. Neste escopo, abre-se uma discus - são para a questão do currículo, a partir de suas convergências e divergências do ponto de vista educacional.
Conforme Pacheco (1996), existe uma dificuldade quando se procura definir o currículo em razão de sua própria natureza e dimensão. Assim, o autor situa a divergência em seu aspecto conceitual em duas definições que se contrapõem, sendo uma formal, com um plano previamente definido a partir de seus fins e finalidades, e outra infor - mal, como um processo decorrente de sua própria aplicação.
Na perspectiva formal, o currículo apre - senta-se como o conjunto de conteúdos a serem ensinados e que se encontram organizados por disciplinas, temas e áre - as de estudo. Na perspectiva informal, as definições são caracterizadas por um conjunto de experiências educativas que compõem um sistema dinâmico, proba - bilístico e complexo, sem uma estrutura predeterminada (PACHECO, 1996).
Nesta discussão, os problemas curricu - lares não passam somente pela solução teórica, mas também pela prática, pois o currículo possui fatores e variáveis que decorrem do discurso prático, re - forçando a concepção como processo e não como produto. Mesmo assim, como explica Doll Junior (1997), a mudança de ênfase para a discussão do currículo com foco na prática não exclui a dimen - são teórica, mas desenvolve a teoria a partir da prática.
Sacristán (2000) considera que o currí - culo é o cruzamento de práticas diversas e que decorre de uma construção social que leva a contextos concretos que vão dando forma e conteúdo, sendo conver - tido ou modelado de maneira particular na prática pedagógica. Assim, o autor descreve que o currículo é produzido sob contextos que se sobrepõem e se in - tegram uns aos outros, dando significa - do a experiências obtidas por quem delas participa. Desta forma, o currículo passa a ser o cruzamento de práticas diferentes que convergem no que se pode denomi - nar de prática pedagógica que se encon - tra ancorada em contextos diversos.
Nesta perspectiva, parte-se para o for - mato do currículo, que adquire uma for - ma singular, mas que não se traduz em mera seleção de conteúdos justapostos ou desordenados e sem critério. Como relata Sacristán (2000), o currículo deve ser organizado sob uma forma que seja apropriada ao nível educativo, derivando - -se de importantes repercussões da práti - ca. Assim, os objetivos e conteúdos de - vem estar agrupados sob um esquema de organização que componha um mosaico cujas peças se integrem e relacionem - -se umas com as outras de forma aberta. Esta organização de conteúdos faz com que o currículo adquira sentido em sua forma prática, alcançando efeitos em seu aspecto educativo e no contexto social a que o indivíduo se encontra inserido.
A perspectiva formal do currículo adqui - re importância na medida em que contri - bui para apresentar os mecanismos para a organização de conteúdos. Zabala (1998) trata da organização dos conte - údos como unidades de intervenção que
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Referenciais básicos para a capacitação
de profissionais de Inteligência de segurança pública no Brasil
se vinculam e definem a prática da aula, não se reduzindo ao trabalho de um úni - co conteúdo, geralmente configurados em unidades, que, por sua vez, obede - cem a critérios de seleção e tipo de re - lações entre eles, articulando-se em tor - no de temas, perguntas, tópicos, lições, entre outros. O entendimento é de que, quanto mais relacionados entre si estejam os conteúdos, maior será a potencialida - de de uso e compreensão deles. Nesse sentido, o autor destaca que os conteú - dos devem ser trabalhados conforme os “centros de interesse”, de modo a auxi - liar na organização de unidades didáticas que são relevantes para a compreensão de realidades em seus diferentes graus de relação: multidisciplinares, interdisci - plinares e transdisciplinares3 .
A última expressão do valor do currículo dá-se quando ele é colocado em práti - ca, na qual toda a intenção realiza-se e adquire significados definitivos para alu - nos e professores. Segundo Sacristán (2000), o currículo é a ponte entre teo - ria e ação, entre intenções ou projetos e realidade. Desta forma, não há contradi - ção entre o currículo formal e o informal, mas, sim, uma complementaridade em que cada um contribui para o equilíbrio entre teoria e prática.
Uma vez apresentadas as particulari - dades da construção de currículos do ponto de vista educacional, parte-se para a discussão em relação à capaci - tação dos profissionais de ISP. Assim, para se atingir as áreas temáticas que
comporão tais currículos, são aponta - dos, a seguir, os referenciais básicos para que esses conteúdos possam ser elaborados de acordo com as especifici - dades da atividade de ISP.
Competências e missões das instituições de segurança pública
As instituições de segurança pública pos - suem competências específicas definidas na Constituição Federal de 1988, cujo artigo 144 determina que o exercício da preservação da ordem pública e da in - columidade das pessoas e do patrimônio é realizado por meio de polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferrovi - ária federal, polícias civis, polícias milita - res e corpos de bombeiros militares.
Na esfera federal, a polícia federal, a po - lícia rodoviária federal e a polícia ferrovi - ária federal possuem papéis específicos descritos no mesmo dispositivo legal. Assim, à polícia federal cabe apurar in - frações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, servi - ços e interesses da União ou de suas en - tidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou in - ternacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecen - tes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fa - zendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; exer - cer as funções de polícia marítima, aérea
3 A multidisciplinaridade é a disposição de conteúdos independentes uns dos outros, em uma organização somativa. A interdisciplinaridade é a interação entre duas ou mais disciplinas. A transdisciplinaridade é o grau máximo de relações entre disciplinas que supõe integração global em um sistema (ZABALA, 1998).
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Hélio Hiroshi Hamada - Renato Pires Moreira
e de fronteiras; e exercer, com exclusivi - dade, as funções de polícia judiciária da União. O patrulhamento ostensivo nas rodovias federais cabe à Polícia Rodo - viária Federal e nas ferrovias federais, à Polícia Ferroviária Federal.
Na esfera estadual, as polícias civis, po - lícias militares e corpos de bombeiros militares cumprem o papel estabelecido no caput do artigo 144. Às polícias ci - vis foram incumbidas as funções de po - lícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, e aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe à execução de atividades de defesa civil.
Ainda, a Carta Magna estipulou a pos - sibilidade de formação de guardas mu - nicipais nos municípios, as quais ficam destinadas à proteção de seus bens, ser - viços e instalações públicas. Apesar de previsto desde a promulgação da Cons - tituição Federal, a grande maioria dos municípios brasileiros ainda não possui estrutura para o funcionamento de uma guarda municipal. Segundo o levanta - mento do Instituto Brasileiro de Geo - grafia e Estatística (IBGE), realizado em 20124, do total de 5.565 municípios no país, somente 993 possuem o serviço, totalizando um efetivo total de 96.147 integrantes, do qual pouco mais da me - tade (49.280) encontra-se concentrado
nos municípios da região sudeste. Toda - via, em quase todos os municípios com mais de 500.000 habitantes, há uma guarda municipal em funcionamento, o que denota a demanda por esse serviço nos grandes centros urbanos.
Além de conhecer as competências le - gais das instituições que cuidam da segu - rança pública, é importante saber como estas se encontram alinhadas estrate - gicamente, e o que pode ser analisado através das missões constantes nos pla - nos estratégicos. A missão, conforme o pensamento estratégico, consiste na de - claração sobre o que a organização quer, num propósito fundamental, definindo a finalidade de sua existência. Desta forma, foram realizados levantamentos em sites institucionais da polícia federal, da polí - cia rodoviária federal, das polícias milita - res e civis dos Estados e Distrito Federal 5
e de algumas guardas municipais6 acerca do registro da missão num planejamen - to estratégico. Neste universo, foram coletados dados de 30 instituições de segurança pública atuantes no país que dispunham das informações requeridas.
Após a coleta de dados junto às institui - ções de segurança pública, foi realizada uma análise bibliométrica com o propó - sito de identificar os assuntos mais re - levantes por meio da medição de fluxos de informação, resultando numa nuvem de palavras. Uma nuvem de palavras, se - gundo Lunardi, Castro e Monat (2008),
4 BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Perfil dos Municípios Brasileiros 2012.
5 Dos 27 entes federados, 13 polícias militares e 12 polícias civis possuíam disponíveis nos sites institucionais a respectiva missão estratégica.
6 Foram encontrados registros da missão estratégica nas guardas municipais de Florianópolis/ SC, Pelotas/RS e São Gonçalo/RJ.
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Referenciais básicos para a capacitação
de profissionais de Inteligência de segurança pública no Brasil
é composta de textos que proporcionam uma compreensão rápida de um conteú - do a partir de palavras mais frequentes. De acordo com esses autores, os dados que estão na nuvem de palavras nada mais são que uma lista de palavras que está relacionada ao número de vezes que elas aparecem. A importância de deter - minada palavra em relação à sua semân - tica, ao contexto e a dimensões adicio - nais de significados são possibilidades de interpretação da nuvem de palavras.
Nesse sentido, a partir da nuvem de pa - lavras formada com os dados coletados da missão estratégica das instituições de segurança pública, observa-se que há uma essência no contexto legal e social cujos focos são a paz, o bem-estar da sociedade e o fomento ao respeito aos direitos humanos e à garantia da prote - ção da pessoa pela polícia ostensiva e judiciária. A eficiência dos serviços das instituições policiais apresenta-se com ênfase na excelência. A preocupação, notadamente, volta-se para o ambiente criminal, demonstrando, por vezes, a parceria entre os outros órgãos estatais e a comunidade como estratégias para a resolução de problemas.
Considerações da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública
A Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP) foi proposta pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), em sua primeira ver - são, no ano de 2007. Com a evolução das questões de segurança pública e da própria ISP, a DNISP, depois de seguidas revisões, chegou a 4ª edição em 20 de janeiro de 2016, data em que foi publi - cada no Diário Oficial da União (DOU).
Na esfera educacional, a DNISP é fun - damental para orientar a construção de uma matriz curricular para a área, haja vista conter, no bojo do citado ordena - mento doutrinário, além dos conceitos básicos necessários à ISP, os fundamen - tos doutrinários à produção do conhe - cimento, as operações de ISP, os ramos Inteligência e Contrainteligência, bem como a organização das agências de In - teligência e a articulação dessas perante o Sisp. Destarte, o objetivo da DNISP consiste na busca de uma padronização de procedimentos da ISP para as insti - tuições de segurança pública pertencen - tes ao Sisp, com vistas a disponibilizar aos profissionais de Inteligência os fun -
FIGURA 1: Nuvem de palavras mais frequentes nas missões estratégicas das Instituições de Segu - rança Pública no Brasil.

Fonte: Dados dos autores (2017).
damentos necessários para o enfrenta - mento preventivo da criminalidade.
Feitoza (2012, p. 89) relata que a DNISP não é um conjunto de normas em sentido estrito, mas um modelo que cada instituição de segurança pública pode ou não seguir. Mas, uma vez aceita, deve ser imperativa nos respectivos âmbitos organizacionais. Isso leva a crer na ne - cessidade de se disseminar a DNISP aos profissionais de Inteligência de seguran - ça pública das instituições.
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e
tividades de nteligência
ao
responsáveis da informação
Hélio Hiroshi Hamada - Renato Pires Moreira
Nessa perspectiva, por constituir um conjunto de conceitos, características, princípios, valores, normas, métodos, procedimentos, ações e técnicas nor - teadoras de ISP, atreladas à capacida - de de padronização para a atuação das agências que integram o Sisp, torna-se necessário que esta doutrina seja discu - tida em cursos iniciais para os profissio - nais de segurança pública. Isso facilitará que a atividade seja desmistificada e, consequentemente, seja viável uma ca - pacitação mais consistente e necessária aos profissionais de Inteligência de se - gurança pública para atuarem em prol da sociedade ordeira.
Ainda sobre a DNISP, vale esclarecer que a “qualificação do profissional de ISP de - verá ser realizada por meio de específicos e sistemáticos programas de formação, de especialização, de aperfeiçoamento continuado e treinamento permanente” (BRASIL, 2009).
Eixos articuladores da Matriz Curricular Nacional para ações formativas dos pro - fissionais da área de segurança pública
As ações formativas dos profissionais da área de segurança pública no Brasil são orientadas pela Matriz Curricular Nacional (MCN) (BRASIL, 2014) com seus eixos articuladores e áreas temáti - cas executados pela Senasp. Trata-se de um documento cuja abrangência faz-se em nível nacional e que recomenda que os currículos das ações de treinamento contemplem, entre outros, as diferentes formas de violência e criminalidade, a organização do Estado Moderno, papéis das instituições de segurança pública, as metodologias orientadas e focadas na
comunidade, colaboração e integração das ações de justiça e segurança, me - diação de conflitos, administração do uso da força e gerenciamento de crises. Ainda, ações que permitam lidar com a complexidade, o risco e a incerteza e, por fim, a utilização de metodologias que possibilitem identificar problemas, buscar, implementar e avaliar soluções.
Para a MCN (BRASIL, 2014, p. 41), os eixos articuladores “estruturam o con - junto dos conteúdos de caráter trans - versal definidos por sua pertinência nas discussões sobre segurança pública e por envolverem problemáticas sociais de abrangência nacional”. E tais eixos “de - vem permear as diferentes disciplinas, seus objetivos, conteúdos, bem como as orientações didático-pedagógicas”.
Os eixos articuladores que compõem a Matriz são:
a) sujeito e interações no contexto da segurança pública;
b) sociedade, poder, estado e espaço público e segurança pública;
c) ética, cidadania, direitos humanos e segurança pública;
d) diversidade étnico-sociocultural, con - flitos e segurança pública.
A MCN foi produzida por meio de um estudo profissiográfico e do mapeamen - to de competência realizado sob coor - denação da Senasp e com viés no perfil dos cargos das instituições estaduais de segurança pública. Nesse sentido, o ob - jetivo da MCN é orientar, por meio de um referencial teórico-metodológico,
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Referenciais básicos para a capacitação
de profissionais de Inteligência de segurança pública no Brasil
as ações formativas dos profissionais de segurança pública em qualquer nível ou modalidade de ensino. As competências são as cognitivas (requerem o desenvol - vimento do pensamento por meio da in - vestigação e da organização do conheci - mento), as atitudinais (visam a estimular a percepção da realidade, por meio do conhecimento e do desenvolvimento das potencialidades individuais) e as opera - tivas (preveem a aplicação do conheci - mento teórico em prática responsável, refletida e consciente).
A ISP apresenta-se, nesse contexto da MCN, como disciplina da área “comu - nicação, informação e tecnologias em segurança pública” e tem a seguinte te - mática: atividades, operações e análise de Inteligência (BRASIL, 2014). Nes - se sentido, ressalta-se a importância da inclusão, nos currículos das instituições de segurança pública, da disciplina em questão, dada sua capacidade de levar, ao discente, conhecimentos oportunos sobre tal temática.
A disciplina Inteligência de Segurança Pú - blica demanda, como competência asso - ciada, o conhecimento dos fundamentos das Atividades de Inteligência, cujo obje - tivo é criar condições para que os profis - sionais de segurança pública possam:
Ampliar conhecimentos para: conhecer os conceitos da atividade de inteligência de segurança pública, as redes e os res - pectivos sistemas de inteligência. Desen - volver e exercitar habilidades para: utilizar técnicas de inteligência de segurança pú - blica; produzir conhecimentos necessá - rios à tomada de decisões. Fortalecer ati - tudes para: proteger redes e sistemas de
inteligência; reconhecer a importância de um comportamento devidamente regrado
por princípios, características e valores éticos da atividade de inteligência de se - gurança pública (BRASIL, 2014, p. 173).
Para isto, de acordo com a MCN, o mapa de competências da disciplina deve obe - decer aos critérios de aspectos conceitu - ais, procedimentais e atitudinais, que de - verão ser observados e planejados para cada discente que terá como repositório os conteúdos contidos na disciplina de ISP. O QUADRO 2 apresenta uma visão dessas competências.
QUADRO 2: Aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais da disciplina Inteligência de Segurança Pública delineada na Matriz Curricular Nacional.
Aspectos conceituais Aspectos procedimentais Aspectos atitudinais
Histórico da atividade de I nteligência
Atividades de I nteligência
Compartilhamento e compartimentação responsáveis da informação
Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN)
Produção do conhecimento
Objetividade e capacidade intelectual e analítica
Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP)
Proteção do conhecimento
Preservar informações e ter ciência das consequências do destino indevido destas informações
Fundamentos jurídicos da atividade de inteligência
Segurança orgânica, segurança de assuntos internos e segurança ativa
Sigilo
-
Operações de Inteligência de segurança pública
-
-
Manejo seguro de informações; destinação e manejo de documentação sigilosa
-
FONTE: Matriz Curricular Nacional (BRASIL, 2014).
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Hélio Hiroshi Hamada - Renato Pires Moreira
A partir das competências demonstradas acima, verifica-se que o conteúdo pro - gramático aborda os principais temas relacionados à atividade de Inteligência, no sentido estrito: os ramos Inteligência e Contrainteligência, as operações de Inteligência, os fundamentos jurídicos, arcabouço histórico, o Sisbin e a DNISP .
Perfil profissiográfico para o exercício da atividade de Inteligência de Segurança Pública
O perfil profissiográfico tem por finali - dade auxiliar na determinação de carac - terísticas desejáveis em um profissional, suas habilidades cognitivas, técnicas e comportamentais. Para isto, podem serem dimensionados conhecimentos, responsabilidades, experiências, habili - dades, aptidões e atitudes do indivíduo que o qualifiquem para o desempenho de uma função.
Por se tratar de uma atividade especiali - zada, a Inteligência de Segurança Pública requer de seus profissionais característi - cas capazes de atender a atividade de as - sessorar os tomadores de decisões com conhecimentos de Inteligência. Para exe - cutar essa atividade, esses profissionais podem atuar no campo da produção de conhecimento e/ou na condição de bus - ca do dado negado quando da realização de operações de Inteligência.
Primeiramente, percebe-se a necessida - de de que esses profissionais possuam formações específicas. Telemberg (2015) estabelece requisitos para a formação profissional de Inteligência destinado à produção de conhecimentos e para área de operações de Inteligência.
Para que a formação em ISP obedeça ao critério sugerido por Telemberg (2015) – o desenvolvimento gradual nos níveis básico, intermediário e avançado – é necessário delinear o perfil e mapear as competências necessárias para o desen - volvimento da atividade de ISP. Para isto, é necessário analisar-se os conhecimen - tos, habilidades e atitudes que possuem esses profissionais de ISP .
Alcântara (2008) afirma que o analista de Inteligência deverá possuir conhecimen - tos sobre contexto sociocultural local, regional e global, cultura profissional, ética profissional, informática, missão da Atividade de Inteligência e produção do conhecimento. Como habilidade, deve possuir capacidade de análise e síntese, disponibilidade para lidar com situações imprevistas, gerenciamento de dados, ra - ciocínio crítico, resolução de problemas, trabalho em equipe e visão prospectiva. Como atitudes, Alcântara (2008) des - taca comprometimento, confiabilidade, sinceridade, discrição, respeito às nor - mas e às leis e responsabilidade.
Alcântara (2008) sugere um perfil consi - derado como desejável ao agente de In - teligência. Deve possuir conhecimentos de manuseio de armamento e equipa - mentos, noções de cultura profissional, defesa pessoal e uso de força, noções de geografia urbana, gerenciamento de crises, missão e técnicas operacionais da atividade de Inteligência. Como habilida - des, deve ter a capacidade de empregar técnicas de análise, síntese, observação, memorização, descrição, trabalho em equipe e saber empregar corretamente essas técnicas nas atividades de Inteli - gência. Quanto a atitudes, deve sempre
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Referenciais básicos para a capacitação
de profissionais de Inteligência de segurança pública no Brasil
agir com discrição, tranquilidade, pru - dência, firmeza e compromisso com o alcance de metas e resultados propos - tos, buscando atuar com respeito às normas e às leis.
Conclusão
A capacitação de recursos humanos que compõem as agências de Inteligência das instituições de segurança pública é fator essencial ao êxito no cumprimen - to das missões a elas atribuídas, com a finalidade de garantir a ordem pública. Essas agências, como integrantes do Sisp, formam uma rede cujas instituições possuem características em comum, tais como, discutir ações formativas que promovam o aprimoramento de cursos de capacitação de profissionais de ISP . Notadamente, com a discussão da ca - pacitação profissional no campo da ISP , pretende-se alcançar uma eficiência das instituições de segurança pública, com o enfoque na solução de problemas que envolvam o ambiente criminal.
Diante do contexto da educação profis - sional, a construção de um currículo que tenha experiências que convirjam para práticas pedagógicas direcionadas a con - teúdos que tenham “centros de interes - se”, auxilia na organização didática para compreensão das realidades no campo da ISP. Dessa forma, o presente artigo apresenta os referenciais básicos que possam direcionar a construção desses
currículos, de forma a abranger as com - petências das instituições e o perfil do profissional de ISP, num contexto doutri - nário e específico da atividade.
Nessa concepção, os referenciais que formam a base para a construção de currículos para cursos de capacitação de profissionais de ISP devem levar em consideração, primeiramente, as com - petências e missões das instituições de segurança pública, pois constituem a ati - vidade-fim das organizações. A DNISP , por sua vez, aponta para a padronização de conceitos e técnicas especializadas utilizadas na atividade de ISP. Já a MCN, elaborada pela Senasp, tem a pretensão de ser um referencial teórico-metodoló - gico, que considera o ensino por com - petências como foco da formação de profissionais que atuam na segurança pú - blica. Por último, o perfil profissiográfico dos profissionais de ISP como referencial demonstra as áreas de conhecimento e as habilidades que a capacitação deve atingir com prioridade.
Assim, como proposta de discussão de referenciais para a capacitação de profissionais de ISP, o presente artigo buscou reunir os aspectos básicos que permeiam a construção de um currículo que atenda às necessidades das institui - ções atuantes na segurança pública, no sentido de valorizar e qualificar a forma - ção profissional dos recursos humanos que compõem o Sisp.
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Hélio Hiroshi Hamada - Renato Pires Moreira
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A MODERNIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ESTRATÉGICA NA PERSPECTIVA DA SEGURANÇA HUMANA
Danilo Coelho *
Resumo
EsteartigoobjetivaanalisaramodernizaçãodaInteligência,sobamudançadoparadigma da segurançanacionalparaodasegurançahumana,ealgunsobstáculosaesta modernização. Sãodiscutidosquatroelementosdamodernização(paradigmadesegurança,corpodoutriná - rio,técnicasdeanáliseecontroleexterno)e,comoresultado,éapresentadoonovo conceito da“transecuritizaçãodaInteligênciadeEstado”,quesistematizaoprocessoestruturante em curso.Conclui-sequeamodernizaçãotransecuritizadaéfundamentalparaatenderàs múltiplas ameaças,naperspectivadasegurançahumana,contraasociedadebrasileirae,porconseguin - te,paraaumentaraeficiênciadoSistemaBrasileirode Inteligência.
Palavras-Chave: Segurançahumana;InteligênciaEstratégica;Abin; Sisbin.
Introdução
Arecente fixação da Política Nacional de Inteligência (PNI) pelo Decreto
nº 8.793, de 29 de junho de 2016, tor - nou públicas as diretrizes da Inteligência Estratégica de Estado no Brasil. Em de - corrência da PNI, iniciou-se, em 2017, a elaboração do primeiro Plano Nacional de Inteligência do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin).
Estes dois documentos-chave refletem o quanto o debate sobre o papel da Inteligência brasileira é atual, em que pese a criação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ter ocorrido há 18 anos, por meio da Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999.
A mesma lei instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), “com a finalidade
de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse na - cional”. Em 2002, o Sisbin foi regula - mentado pelo Decreto nº 4.376, de 13 de dezembro de 2002, com a compo - sição inicial de 21 órgãos de diversos setores, como o da segurança - com o Ministério da Defesa (MD) e da Justiça (MJ) - e o da saúde - com o Ministério da Saúde (MS) e a Agência Nacional de Vi - gilância Sanitária (Anvisa), por exemplo. Em 2017, 38 órgãos integravam o Siste - ma, destacando-se a entrada, em 2012, do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Apesar de a composição do Sisbin e as diretrizes de Inteligência apontarem
* Médico, especialista em bioética (UnB), mestre em políticas públicas em saúde (FIOCRUZ).
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 12, dezembro 2017 77
Danilo Coelho
para a estruturação de um sistema am - plo, que transcende a área tradicional da segurança para incorporar temas estra - tégicos de diversos setores, persiste um arcabouço institucional que obstaculizaria esta atuação abrangente.
O Conselho Consultivo do Sisbin (Consisbin) é integrado apenas por órgãos de segurança. São onze in - tegrantes, cinco dos quais militares, sendo o MD o ministério com maior número de representantes.
Cabe ao Consisbin um papel-chave na comunidade de Inteligência brasileira. É dele a prerrogativa, entre outras com - petências, de “emitir pareceres sobre a Política Nacional de Inteligência” e de “opinar sobre propostas de integração de novos órgãos ou entidades”.
Segundo Bruneau (2015, p. 514), apesar de uma década de promessas por melhorias, a Inteligência brasilei - ra não se tornou mais eficiente do que era há dez anos. A partir desta crítica, busco discutir elementos que podem conferir maior legitimidade e eficiência à Inteligência brasileira, sem foco nas questões de orçamento.
Um dos obstáculos à maior eficiência e à modernização efetiva é a dubiedade de apontar o sistema para uma atuação ampla – por meio, como veremos, das diretrizes do Sisbin e do largo espectro de seus integrantes -, necessária para fa - zer frente às múltiplas ameaças contra a população em um Estado moderno, mas dificultar este processo com normativas e estruturas que induzem a priorização de temas estritamente securitários.
Além do Consisbin militarizado, outro resquício da Inteligência com viés poli - cial e militar seria a priorização expressa dos órgãos de defesa externa e seguran - ça interna na composição do Sisbin e a persistência do Subsistema de Seguran - ça Pública, criado por meio do Decreto nº 3.695, de 21 de setembro de 2000, como o único subsistema de Inteligência instituído.
Apesar deste legado, a tendência de mo - dernização do Estado brasileiro se refle - te na Inteligência, por meio da demanda estatal por análises preditivas de amea - ças não tradicionalmente securitárias e da definição de diretrizes de Inteligência que incluem assuntos de saúde humana, meio-ambiente, recursos agropecuários e infra-estrutura, por exemplo.
O presente artigo busca demonstrar tal tendência modernizante, na perspectiva do paradigma da segurança humana (hu - mansecurity), que é apresentado como norteador de uma atuação sustentável para a Atividade da Inteligência em um Estado democrático.
A ideia da transecuritização da Inteligên - cia de Estado incorpora o conceito da segurança humana e sistematiza outros elementos presentes e necessários para o processo de modernização da Inteligência.
Considerar-se-á a Inteligência como uma das instituições tradicionais do setor de segurança, como também as polícias e as Forças Armadas (ELBA, 2011, p. 856), ressalvando que o pre - sente artigo questiona a própria noção da Inteligência de Estado como ativida - de necessariamente securitária.
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A modernização da Inteligência Estratégica na perspectiva da segurança humana
Segurança humana e Inteligência Estratégica
Tradicionalmente, segurança nacional é a proteção da fronteira territorial, da po - pulação e dos interesses nacionais contra ameaças externas (BERNARD, 2013, p. 158). Entretanto, durante a maior parte do século XX, o paradigma de segurança nacional adotado no Brasil foi a proteção do Estado contra o inimigo interno do co - munismo (REZNIK, 2004, pp. 177-180).
A doutrina brasileira de segurança na - cional foi elaborada na Escola Superior de Guerra (ESG), fundada em 1949 e inspirada na estadunidense National War College. Esta doutrina foi utilizada por muitos anos como justificativa para o advento e a manutenção dos governos militares, bem como de órgãos de segu - rança brasileiros, incluindo a Inteligência (CARVALHO, 2002, p. 159).
A lei 7.170, de 14 de dezembro de 1983, ainda vigente, chama de crimes contra a segurança nacional “os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: i. a integridade territorial e a soberania nacional; ii. o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito; e iii. a pessoa dos chefes dos Poderes da União” (artigo primeiro).
A normativa vigente sobre segurança na - cional é anterior à Constituição de 1988 e trata a segurança nacional com o foco no Estado e nos chefes dos Poderes, mas não na população, estando condenada a se manter como uma peça normativa de aplicabilidade mínima.
O paradigma de segurança nacional como defesa precipuamente estatal tem
sido criticado, com mais ênfase, desde o início do milênio, por, entre outros fatores, dissociar a noção do Estado da sua razão de ser, que são os cidadãos. A humanização do Estado tem sido enfati - zada em fóruns internacionais, no sen - tido de se difundir a ideia de segurança humana em contraposição a tal conceito de segurança nacional.
Em 2000, durante a Cúpula do Milê - nio da Organização das Nações Unidas (ONU), foi lançada a ideia de se criar uma Comissão Independente para a Seguran - ça Humana, por iniciativa do governo do Japão apoiada pela ONU. A Comissão foi coordenada pelo indiano ganhador do prêmio Nobel de economia, Amar - tya Sen, e Sadako Ogata, japonesa então Alta Comissária das Nações Unidas para os Refugiados (COMMISSION ON HU - MAN SECURITY, 2003, p. 5).
A Comissão publicou, em 2003, um relatório intitulado Segurança Huma - na Agora (HumanSecurityNow, minha tradução) em que defende a mudança do paradigma de uma segurança nacio - nal baseada no Estado-Nação para uma segurança humana baseada nas comuni - dades (COMMISSION ON HUMAN SE - CURITY, 2003, p. 5). Segundo o novo paradigma da segurança humana, valori - za-se o conceito inovador de soberania interdependente e compartilhada para a proteção de pessoas.
Alguns autores distinguem o conceito de segurança nacional do conceito de segurança humana (WALSH, 2016; THE HUMAN SECURITY CENTRE, 2005; FIDLER, 2003); outros, todavia, consi - deram a segurança nacional como parte
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Danilo Coelho
da segurança humana (COMMISSION ON HUMAN SECURITY, 2003, p. 9).
De qualquer modo, segurança humana e segurança nacional devem ser com - plementares, uma vez que a segurança de um Estado não é garantia de que os indivíduos estão seguros contra amea - ças diversas (THE HUMAN SECURITY CENTRE, 2005, p. 8).
Há duas abordagens conceituais possí - veis de segurança humana, com base nas ameaças que podem estar contidas ou não em seu escopo: i. enfoque restrito, considerando apenas a violência sobre os indivíduos como ameaça (segurança humana como proteção de comunidades e do indivíduo contra violência interna); e ii. enfoque amplo, considerando doen - ças, desastres - uma vez que estas duas matam três vezes mais do que a violên - cia - insegurança econômica e outras ameaças, inclusive as ameaças à dignida - de humana (THE HUMAN SECURITY CENTRE, 2005, p. 8).
A noção de “segurança humana”, em suma, amplia o conceito de “segurança nacional” para transcender a ideia de proteção do Estado e abranger o concei - to de proteção ao indivíduo, tanto den - tro do Estado como transitando entre as fronteiras estatais. Além disso, o novo conceito, mormente em seu enfoque am - plo, reconhece que as ameaças se torna - ram múltiplas (PAGOTTO, 2016, p. 12).
Este novo paradigma se fundamenta tam - bém no fato de que 95% dos conflitos hodiernos não ocorrem entre os Esta - dos, mas são fenômenos intraestatais ou transestatais. Neste sentido, a proteção
contra a violência política, terrorismo, guerra civil, colapso do Estado vulnerabi - lidades econômicas, doenças e desastres naturais - todos fenômenos que trans - cendem a ideia de Estado, porque “não respeitam” necessariamente as fronteiras - precisam estar incluídos no conceito de segurança humana (THE HUMAN SE - CURITY CENTRE, 2005, p. 8).
É relevante mencionar que o novo pa - radigma não desconsidera o fato de que os interesses nacionais continuam a pautar grandemente a agenda interna - cional, apesar de relativizar a importância destes interesses.
Nesta perspectiva, cabe indagar qual o papel a ser exercido pela Inteligência Estratégica de Estado, tradicionalmente vinculada à antiga ideia de segurança na - cional. Como órgão de antecipação de fatos e de apoio à tomada de decisão, a atuação da Inteligência ajuda a moldar a própria atuação do Estado.
Vinculado a uma Inteligência sob o antigo paradigma de segurança nacional, o Esta - do tende a sobrevalorizar as ameaças tra - dicionalmente securitárias, resultando em perda de eficiência no enfrentamento de outras ameaças, igualmente relevantes.
No contexto brasileiro, considerando que a Abin atua por demanda presidencial e também dos parceiros do Sisbin, outro problema associado a uma Inteligência excessivamente voltada para temas po - liciais e militares é a baixa demanda de atores não securitários.
Forma-se, então, um círculo vicioso no qual o produto da Inteligência não inclui
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A modernização da Inteligência Estratégica na perspectiva da segurança humana
conhecimentos de interesse para áreas não securitárias. Estas áreas, por sua vez, não se percebem como parte do sistema de Inteligência e passam a não demandá - -lo. Sem demandas das áreas não secu - ritárias, a Inteligência amplia seu enfo - que policial-militar, numa dinâmica que impede a modernização da Inteligência, afastando-a das engrenagens de um Es - tado que carece de modernização.
Pode-se negar a possibilidade lógica da necessidade de serviços de Inteligência em poliarquias liberais, supondo uma relação funcional entre os serviços e regimes autoritários, dada a neces - sidade daqueles de conhecer o que está obscurecido. Entretanto, Reznik (2004, p. 23) enfatiza que os Estados nacionais, incluindo democracias libe - rais, durante o século XX, ao especiali - zarem as funções estatais, constituíram agências de Inteligência.
Bruneau e Boraz (2007, pp. 4-6) afir - mam que a Inteligência deveria ser anali - sada como um componente das relações civis-militares por três motivos: i. é um monopólio dos militares na maior parte dos regimes não democráticos; ii. mesmo nas democracia mais maduras, os milita - res tem um papel muito grande na Inteli - gência; e iii. FFAA e Inteligência existem para garantir a segurança nacional.
A superação gradual da antiga ideia de segurança nacional contribui para re - modelar o papel da Inteligência, porque tende a deslocar o eixo de demanda pe - los serviços de Inteligência da esfera es - tritamente policial e militar para incluir amplamente a esfera civil, refutando as observações de Bruneau e Boraz.
Nas democracias maduras, com a busca pela eficiência de Estado em prol do bem comum, tende a surgir a necessidade de o decisor contar com um corpo de profissionais de Inteligência para asses - soramento técnico supraministerial, com o foco em análises estratégicas preditivas sobre temas de políticas públicas inter - setoriais e sobre as múltiplas ameaças contra a população.
Ressalte-se, entretanto, que, em algumas democracias supostamente maduras, persistem práticas anacrônicas e de pa - drão ético amplamente questionado na atualidade, como as ações de espiona - gem internacional realizadas pelos EUA e reveladas por Edward Snowden.
Apesar desta incongruência, numa or - dem política democrática, observa-se tendência de afastamento da produção de conhecimentos de Inteligência de caráter repressivo e policial/militar (NU - MERIANO, 2010, p. 279), para uma produção de conhecimentos ampliada para temas não tradicionalmente milita - res, mas vinculada às múltiplas ameaças contra a população nacional (NUME - RIANO, 2010, p. 279).
Esta evolução, que pode estar sujeita a retrocessos conjunturais, associa-se à passagem do antigo paradigma da segurança nacional (ameaças securitá - rias contra o Estado) ao paradigma da segurança humana (múltiplas ameaças contra a população).
Elementos da modernização da Inteligência
Na perspectiva desta mudança de para - digma da antiga segurança nacional para a
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Danilo Coelho
emergente segurança humana, cabe ana - lisarmos alguns elementos da moderniza - ção da Inteligência de Estado brasileira.
A supracitada lei de criação da Abin e do Sisbin estabeleceu, em seu artigo quin - to, que “a execução da Política Nacional de Inteligência, fixada pelo Presidente da República, será levada a efeito pela Abin, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conse - lho de Governo” (Creden).
Entretanto, somente em 2003, por meio do Decreto nº 4.801, de 06 de agosto, foi criada a Creden, vinculada ao Conselho de Governo da Presidência da República, “com a finalidade de formular políticas públicas e diretrizes de matérias relacio - nadas com a área de relações exteriores e defesa nacional do Governo Federal”. Entre as matérias de competência da Câ - mara está a Atividade de Inteligência.
Durante o período sem uma PNI, que perdurou de 1999 a 2016, supria a lacu - na das diretrizes de Inteligência a Resolu - ção nº 02/2009 da Creden/CG/PR1, assi - nada pelo presidente da Creden, o então Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidên - cia da República (GSI/PR). A Resolução considerava vinte e seis áreas de atuação da Inteligência de Estado, listadas como de igual relevância.
Entre elas, destaco: “a) segurança públi - ca, com vista à repressão ao crime orga -
nizado e aos ilícitos transnacionais”, “d) biodefesa da população e dos recursos naturais e agropecuários”, “g) acompa - nhamento de assuntos internacionais de interesse estratégico para o Brasil, com ênfase na América do Sul”, “s) desastres naturais e de origem humana” e “t) ame - aças e agressões ao meio-ambiente”.
Como se percebe, a ideia de múltiplas ameaças, associada ao paradigma da se - gurança humana está presente nesta re - solução. Sem a priorização, ao menos em tese, das ameaças securitárias tradicionais.
A PNI prioriza onze ameaças balizadoras da Atividade de Inteligência do Sisbin. Ao mencionar, entre as ameaças, “ações contrárias ao Estado Democrático de Direito”, o documento humaniza a no - ção de Estado, porque inclui, entre estas ações, “a dignidade da pessoa humana; o bem-estar e a saúde da população; […] o meio ambiente”, entre outras.
Com estes dois documentos, o campo de atuação prioritário da comunidade de Inteligência brasileira amplia-se da área securitária, predominante em décadas anteriores, para abranger, ao menos nor - mativamente, questões como de seguran - ça da saúde (healthsecurity), entre outros temas tradicionalmente não securitários.
Outro elemento da modernização cor - rente é a mudança da doutrina de Inte - ligência. Quanto mais orgânica e menos
1 A fonte das informações sobre a Resolução Creden nº 02/2009 foi a resposta do GSI/ PR ao pedido de informações que realizei junto ao Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (https://esic.cgu.gov.br/sistema/site/index.aspx), sob número de protocolo 00077000745201731, aberto em 9 de junho de 2017. Por meio da resposta, a resolução, que possuía grau de sigilo “reservado” e cujo conteúdo não consta de fontes abertas, foi desclassificada.
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A modernização da Inteligência Estratégica na perspectiva da segurança humana
ideológica, a doutrina mais se afasta do antigo paradigma da segurança nacional e incorpora elementos inerentes à ideia de segurança humana.
A doutrina de Inteligência é composta por conceitos, princípios, normas e va - lores. No Brasil, a partir dos anos 1950, a Doutrina de Segurança Nacional, cuja matriz foi a ESG, influenciou a doutrina de Inteligência dos primeiros manuais, que exibiam substrato ideológico contra o inimigo interno esquerdista (NUME - RIANO, 2010, pp. 285-286).
Em contraposição à doutrina ideológi - ca, há o caráter doutrinário orgânico e laico-científico, “fundado em um Estado de direito democrático sólido, no qual um serviço de Inteligência deve fazer a análise das ameaças e oportunidades estratégicas imunizado da contaminação político-ideológica - afirmando a própria laicidade do regime em seus princípios” (NUMERIANO, 2010, p. 289).
Após a redemocratização, a doutrina de Inteligência é revista, para enfatizar, como base, o respeito à dignidade humana e às normas constitucionais, que reconhe - cem, em seu artigo primeiro, a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito.
Considerar o conceito da dignidade da pessoa humana é relativizar a noção de
razão de Estado, vigente no absolutis - mo e, mutatismutandis, sobrevaloriza - da nos regimes autoritários, na medida em que a defesa do Estado, como ente dissociado da população, durante os governos ditatoriais, é utilizada como um dos argumentos para desconsiderar proteções individuais.
Neste sentido, a defesa da dignidade da pessoa humana e do constituciona - lismo na nova doutrina de Inteligência, ratifica a ideia de proteção dos indiví - duos contra arbitrariedades estatais – o que vai de encontro com à concepção moderna dos direitos humanos – e, portanto, humaniza o antigo paradigma de segurança nacional 2
Considerando que o conceito de razão de Estado se vincula, em alguma medi - da, a este paradigma, a nova doutrina de Inteligência reconhece, ao se embasar na proteção da dignidade humana, a neces - sidade de flexibilização da ideia de se - gurança nacional, em prol da perspectiva de proteção das pessoas.
Vemos, portanto, um certo paralelismo entre a valorização do princípio da dig - nidade humana – e do constitucionalis - mo - com a emergência do paradigma da segurança humana.
Ressalte-se que este novo paradigma am - plia a ideia clássica da proteção da pes -
2 A Abin aprovou, em caráter experimental, por meio da Portaria nº 244-ABIN/GSI/PR, de 23 de agosto de 2016, o documento FundamentosDoutrináriosdaAtividadedeInteligência, que enfatiza seu papel na contribuição “para o planejamento, execução e o acompanhamento de políticas governamentais, visando à segurança do Estado e ao bem-estar da sociedade” (PRESIDÊNCIA DAREPÚBLICA, 2016, p. 9). Segundo o documento, que está em período de “possível revisão” pela Escola de Inteligência, a atividade de inteligência pode e deve colocar - -se no espaço que o constitucionalismo lhe concede; constitucionalismo que não permite mais se tomar a razão de Estado como princípio moral predominante (cf. PRESIDÊNCIADAREPÙ - BLICA, 2016, p. 76).
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soa, porque inova na discussão da função do Estado, ao citar as múltiplas ameaças contra a sociedade que precisam ser en - frentadas pelo arcabouço estatal.
Não bastaria, para atingir a plena mo - dernização da Inteligência Estratégica de Estado, aderir ao constitucionalismo sem admitir a necessidade de proteger a população contra múltiplas ameaças, que vão além das ameaças securitárias tradicionais, com a mesma ênfase.
Por isso, reconheço que a nova doutri - na da Inteligência pós-redemocratização incorpora alguns elementos da seguran - ça humana, mas se encontra ainda em processo de transição paradigmática, as - sim como outras normativas federais da área de segurança.
A atual Estratégia Nacional de Defe - sa (END), por exemplo, aprovada por meio do Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008 e revista em 2012, prevê que “todas as instâncias do Esta - do deverão contribuir para incremento do nível de Segurança Nacional”, com particular ênfase sobre: “a integração de todos os órgãos do Sistema de Brasileiro de Inteligência (Sisbin)”; “as medidas de defesa química, bacteriológica e nuclear, a cargo da Casa Civil da Presidência da República, dos Ministérios da Defesa, da Saúde, da Integração Nacional, das Minas e Energia e da Ciência e Tecnolo - gia, e do GSI-PR, para as ações de pro - teção à população e às instalações em território nacional, decorrentes de possí - veis efeitos do emprego de armas dessa natureza”; “medidas de emergência em
saúde pública de importância nacional e internacional”, entre outros.
Vemos, portanto, que a END, apesar de citar a expressão “segurança nacional”, vincula-se com a ideia de humansecurity , ao arrolar temas tradicionalmente não securitários como prioridades de ação do Estado na área de defesa. O docu - mento também se afasta da ideia de uma defesa nacional estritamente militarizada (Estratégia de “Defesa Nacional”) para adotar outra sob participação de diver - sos atores estatais, notadamente civis (Estratégia “Nacional de Defesa”).
Ao se avaliarem as ameaças sem o crivo ideológico e militarizado, no sentido de uma doutrina laico-científica, afasta-se de uma Inteligência com pendor repres - sivo e se consagra uma Inteligência pre - ditiva, sob a égide da análise baseada em evidências. Tanto maior tende a ser a re - levância de um tema para a Inteligência, quanto maior o risco de ameaça contra a população nacional, independentemente de se tratar ou não de ameaça tradicio - nalmente securitária.
Menciono mais dois elementos da mo - dernização, que também ocorrem pa - ralelamente à mudança do paradigma securitário e do corpo doutrinário: i. consolidação do controle externo da Atividade de Inteligência, que deixa de inexistir ou ser mínimo, para ser bem estruturado, atuante e transparente; e ii. elaboração das técnicas de análise de Inteligência, que deixam de ser desestru - turadas para se tornarem estruturadas (FIGURA 1).
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A modernização da Inteligência Estratégica na perspectiva da segurança humana
FIGURA 1: Quatro Elementos do Processo de Modernização da Inteligência Estratégica.
PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ESTRAT ÉGICA
paradigma de segurança segurança nacional > segurança humana
corpo doutrinário ideológico > orgânico
técnicas de análise não estruturadas > estruturadas ......
controle externo pouco atuante > efetivo
Fonte: elaborado pelo autor.
Instituída em 2000, a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteli - gência do Congresso Nacional (CCAI), mostrou-se inoperante em sua primeira década de atuação. Uma das razões para a inatividade teria sido a inexistência de seu Regimento Interno, que foi aprovado somente em 19 de novembro de 2013.
Apesar do avanço, a CCAI continua como uma comissão com pouca ini - ciativa, uma vez que não controla efe - tivamente a implementação da PNI e a elaboração do Plano Nacional de Inte - ligência, nem participa do planejamento estratégico da Abin e do Sisbin. A mo - dernização da CCAI depende do inte - resse dos representantes político e, em último grau, da pressão popular.
Quanto à elaboração de técnicas estru - turadas de análise de Inteligência, vale observar que, quanto mais desestrutura - do e mais predominantemente intuitivo for o trabalho analítico, maior a chance de enviesamento político-ideológico e da ocorrência de erros de Inteligência.
A comissão investigativa dos EUA, cria - da após os ataques de 11 de setembro de 2001 e depois do erro da Estimativa Nacional de Inteligência sobre as Armas de Destruição em Massa do Iraque, em 2002, documentou a necessidade de uma
nova abordagem da análise de Inteligência (HEUER JR e PHERSON, 2011, p. 8).
Esta nova abordagem deveria ser base - ada em técnicas estruturadas de produ - ção dos conhecimentos de Inteligência. Tais técnicas consistem em métodos que externalizam o raciocínio do analista de informações (i.e. do profissional de Inteli - gência), permitindo que a linha de pensa - mento possa ser percebida, compartilha - da, complementada e criticada por outros (HEUER JR e PHERSON, 2011, p. xvi).
O trabalho analítico estruturado não prescinde da intuição do profissional de Inteligência, mas a análise intuitiva deixa de ser a ferramenta predominante para a elaboração de conclusões. Além disso, a própria intuição passa a ser utilizada de maneira mais organizada e vinculada a técnicas estruturadas.
O uso da expressão “técnicas estrutu - radas de análise” na comunidade de In - teligência remonta a 2005, mas o con - ceito subjacente à expressão é dos anos 1980, quando se começa a ensinar e escrever sobre “análise de alternativas” (alternativeanalysis) - técnica que ques - tiona o raciocínio final ao buscar iden - tificar e analisar conclusões diferentes das inicialmente elaboradas (HEUER JR e PHERSON, 2011, p. 9).
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Neste aspecto, a Escola de Inteligên - cia (Esint/Abin), que é responsável pelo ensino de Inteligência e Contrain - teligência para os servidores da Abin e dos demais órgãos do Sisbin, busca aprimoramento contínuo de uma meto - dologia de produção do conhecimento com o ensino de técnicas acessórias de análise estruturadas.
Um novo conceito: transecuritização da Inteligência de Estado
Os quatro aspectos da modernização analisados, apesar de complementares, são de evolução independente e sujei - ta a retrocessos. Um deles, o controle externo da Atividade de Inteligência, é atribuição precípua do poder legislativo.
Os outros três aspectos, inerentes ao ór - gão de Inteligência Estratégica de Estado, formam a base do que chamo de “transe -
cia moderna, na perspectiva da seguran - ça humana. Todavia, depende do grau de maturidade institucional do stablish - mentpolítico e da população quanto ao desejo e necessidade de transcender a ideia da Inteligência Estratégica como estritamente securitária.
Atuar de maneira transecuritizada não significa desconsiderar a relevância da te - mática de segurança estrita - até porque a Inteligência é órgão tradicionalmente de segurança e tem muito a contribuir na área -, mas tornar igualmente relevantes os demais setores.
O conceito de transecuritização engloba as mudanças na doutrina e na produção da Inteligência, sob o paradigma da se - gurança humana, e implica na ideia de que os temas e diretrizes da atividade se tornam transdisciplinares (FIGURA 2).
curitização da Inteligência”; é dinâmica em
PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ESTRAT ÉGICA
No contexto brasileiro, é processo fun - curso e necessária para a efetiva moderni -
damental para o aumento da credibilida -
paradigma de segurança segurança nacional > segrança humana
zação da Inteligência, apesar de sujeita a
de e da legitimidade da Inteligência de
corpo doutrinário ológico orgânico
retrocessos (COELHO, 2017, p. 71).
Estado, uma vez que o histórico de ex -
técnicas de análise não estruturadas > estruturadas ......
A transecuritização da Inteligência não cessiva securitização obstaculiza a acei -
controle externo oucotaçãoatuanteda atividadeeftivcomo atributo de um seria, portanto, um processo circunstan -
cial, mas estruturante de uma Inteligên- Estado democrático.
FIGURA 2: Transecuritização da Inteligência de Estado.
TRANSECURITIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA DE ESTADO Compet ência
Doutrina orgânica n ão ideológica e produç ão laica-cient ífica
Paradigma
da segurança humana
transdisciplinar
(temas não tradicionalmente securitários com igual relev ância aos temas securit ários; integração entre áreas de segurança e as demais)
Fonte: elaborado pelo autor.
Há uma dinâmica de mão dupla na mo - dernização das instituições estatais no sentido da proteção da sociedade con -
tra ameaças múltiplas, na perspectiva da segurança humana: por um lado, órgãos tradicionalmente securitários, como a
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A modernização da Inteligência Estratégica na perspectiva da segurança humana
Inteligência, incorporam temas de áreas pouco securitizadas, como saúde e meio - -ambiente, em decorrência da percepção estratégica destas áreas. Por outro lado, setores como saúde e meio-ambiente buscam se aproximar de discussões e co - legiados da esfera securitária.
Percebo duas razões principais para este processo: i. a necessidade dos mi - nistérios não securitários se tornarem mais priorizados na esfera decisória máxima; e ii. percepção de que a maior eficiência no enfrentamento de ameaças depende da maior integração destes ministérios com os órgãos securitários (FFAA, polícias e Inteligência).
Como a atuação da Inteligência nor - malmente se pauta pelas ameaças (po - tenciais ou não) contra a população, a transecuritização nivela as diversas ame - aças à sociedade, sem sobrevalorizar as ameaças violentas.
O Sisbin foi estruturado de modo que pode exercer importante papel propulsor do processo de modernização transecu - ritizada da Inteligência de Estado, porque permite e estimula o diálogo intersetorial. Apesar disso, persiste uma composição excessivamente securitária de estruturas - -chave do sistema como o Consisbin.
A priorização expressa de temas securi - tários no Sisbin dificulta a maior fluência da troca de informações de outras áre - as que lidam com temas estratégicos. À guisa de exemplificação, verifica-se a pre - sença, como representante do Ministério das Relações Exteriores (MRE) no Sisbin e no Consisbin, da Divisão de Combate aos Ilícitos Transnacionais (DCIT).
A DCIT não lida diretamente com temas sociais, como a diplomacia na área da saúde, nem com a maior parte da parti - cipação brasileira na ONU, de modo que a sua inclusão como representante do MRE no Sisbin é restritiva. Um contato institucional entre a Abin e o MRE, por exemplo, para a troca de informações sobre temas relacionados com seguran - ça da saúde (healthsecurity), abordados principalmente pela Divisão de Desar - mamento e Tecnologias Sensíveis (DDS/ MRE) do Departamento de Organismos Internacionais (DOI), é feito por inter - médio da DCIT. Este fato atrasa o ade - quado fluxo de informações.
Verifica-se que a transecuritização de - pende de uma mudança de paradigma tanto dos órgãos securitários quanto dos demais, numa articulação dialógica, complementar e interdependente.
A consolidação e aprofundamento desta articulação, no âmbito da Inteligência, dependem dos órgãos que integram o Sisbin, sobretudo os tradicionalmen - te não securitários, no sentido de de - mandar da comunidade de Inteligência maior foco nas ameaças à segurança da saúde humana, agropecuária e ambien - tal, por exemplo, que são estratégicas para o desenvolvimento do Brasil. Desta forma, a transecuritização da Inteligên - cia Estratégica vincula-se à securitiza - ção de temas de outros setores, como o da saúde pública.
Um exemplo da securitização da sanida - de animal e vegetal, convergindo com a transecuritização da Inteligência Estraté - gica, é verificado na recente relação ins - titucional entre o Mapa e a Abin.
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Em 2012, o Mapa passa a integrar o Sisbin e, no ano seguinte, convida a Abin a participar como membro observador do gabinete de crise sobre a emergên - cia fitossanitária da Helicoverpaarmige - ra- praga que ameaçava as lavouras de soja do sul baiano -, num processo de securitização de um evento de sanidade agrícola ou defesa fitossanitária.
O processo culminou, entre outros as - pectos, na criação, no âmbito da Secre - taria de Defesa Agropecuária, de uma Coordenação-Geral de Inteligência Es - tratégica, conforme a última estrutura re - gimental do Mapa, definida no Decreto nº 8.852, de 20 de setembro de 2016.
Por parte da Abin, a aproximação impli - cou no fortalecimento da área de bio - defesa, que conta hoje com analistas especializados para acompanhamento de ameaças e eventos biológicos, como acidentes laboratoriais e casos de terro - rismo agropecuário, entre outros.
Além da dinâmica horizontal de apro - ximação mútua entre o setor de segu - rança com os demais setores (e vice - -versa), ocorre uma dinâmica vertical de mudança de cultura dentro das or - ganizações de Inteligência.
Na atualidade, esta dinâmica vertical se propaga menos no sentido dos mais altos gestores para o corpo de profissionais do que o contrário, uma vez que a geração mais antiga de servidores da Inteligência de Estado, que forma predominantemen -
te o mais alto corpo gerencial, tende a ser mais vinculada à concepção anterior de segurança nacional, em que pese pos - sa estar aberta a novas ideias de moder - nização da Inteligência brasileira.
Considerações finais
Ao criar e discutir o conceito da tran - securitização da Inteligência Estratégica, buscou-se analisar sistematicamente um processo em curso e de fundamental im - portância para tornar a Inteligência mais eficiente na sua missão de antecipar fa - tos de impacto relevante contra a socie - dade. Este processo não é inexorável, mas passível de retrocessos.
A possibilidade de retrocessos está, em parte, associada a aspectos do sistema de Inteligência que tendem a sobreva - lorizar as ameaças securitárias, como a atual estrutura do Consisbin e a vigência de um único subsistema interministerial no âmbito do Sisbin3, o de segurança pública. Dois fatos que convergem os esforços da comunidade de Inteligência para uma atuação preponderante em te - mas tradicionais de segurança.
Neste ano de “maioridade da Abin”, são reconhecidos os avanços no campo doutrinário da Atividade de Inteligên - cia, mas, apesar da inclusão de vários órgãos no Sisbin, houve pouco avanço na modernização do sistema. Reconhe - cendo a necessidade da transecuritiza - ção como processo modernizante e le - gitimador da Atividade de Inteligência
3 OSubsistema de Inteligência de Segurança Pública (Sisp) foi criado pelo Decreto Presidencial nº 3.695, de 21 de dezembro de 2000. O Sistema de Inteligência de Defesa (Sinde), instituído pela Portaria Normativa nº 295/MD, de 3 de junho de 2002, não é um sistema interministerial no âmbito do Sisbin, mas uma estrutura interna do MD, apesar de articulada com o Sisbin, para integrar os órgãos de Inteligência das Forças Armadas.
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A modernização da Inteligência Estratégica na perspectiva da segurança humana
Estratégica no Brasil, caberia rever a composição do Conselho e estimular a criação de novos subsistemas de Inteli - gência interministeriais.
A ampliação do número de integrantes do Sisbin dos originários 21 para 38, sem a criação de novos subsistemas e sem a atualização do seu marco regula - tório – como da lei que criou o Sisbin e prioriza os órgãos tradicionalmente securitários -, demonstra um limitado avanço institucional neste quesito.
A transecuritização transcende à ideia da intersetorialidade, porque também impli - ca na incorporação de temas de setores não securitários na própria raison d´être da Inteligência Estratégica. O resultado é a realização de trabalhos estratégicos conjuntos que consistem, entre outras características, no acompanhamento permanente de temas interministeriais e no assessoramento do poder decisório sobre tais temas, com influência no pla - nejamento e implementação de ações e políticas públicas transversais.
É importante superar o tabu de que Inte - ligência trata de ameaças necessariamen - te policiais ou militares. A maior comple - xidade do mundo contemporâneo revela diversos riscos à sociedade que não de - vem ser enfrentados por ações isoladas dos órgãos de segurança.
Quanto maior o histórico de uso repres - sivo do aparato da Inteligência de Esta - do, mais importante se torna o enfoque
da Inteligência Estratégica transecuriti - zada, com vistas ao ganho de credibili - dade da Atividade de Inteligência face às instituições democráticas.
No caso brasileiro, por exemplo, a tran - securitização seria um requisito para a maior e mais rápida aceitação governa - mental e popular da Inteligência como órgão legítimo e relevante. E a percep - ção de legitimidade e relevância é ne - cessária, apesar de não suficiente, para que a atividade enfrente os problemas de insuficiência de recursos e de ade - quação do marco legal, apontados por Bruneau (2015).
O assessoramento transdisciplinar deve ocorrer sempre com o foco no poder decisório máximo do Executivo. E este enfoque supraministerial deve partir, sempre que necessário, de uma articu - lação do setor de segurança com os se - tores tradicionalmente não securitários, rompendo o ciclo vicioso do enfoque excessivamente policial e militar.
A modernização vinculada à transecu - ritização da Inteligência Estratégica é, em suma, fundamental para legitimar a Atividade de Inteligência no meio so - ciopolítico brasileiro e para estabelecer melhores condições em prol da eficiên - cia da atividade, mas depende da con - solidação de mudanças paradigmáticas, como a superação do antigo conceito de segurança nacional em favor da nova ideia de segurança humana.
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Danilo Coelho
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90 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 12, dezembro 2017
INDICADORES ECONÔMICOS NA ANÁLISE DE INTELIGÊNCIA – ESTUDO SOBRE OS ÍNDICES DE RISCO SOBERANO
Eduardo Castello *
Resumo
Oobjetivodopresenteartigoédeterminaraadequaçãodousodeindicadoresderiscoso - beranonaanálisedeInteligência.Entreosindicadoresutilizadosparaseavaliara situação econômicageraldeumpaís,estãoosdenaturezaestritamentequantitativa,comoo EMBI+, eosratingssoberanos,quecongregamcaracterísticasqualitativasequantitativas.A razão paraousodisseminadodessesíndiceséofatodequeelesresumemquantidade significativa dedadosdisponíveisparaosagenteseconômicos,comênfaseparaaquelesqueatuam no mercadofinanceiro,aocaptarinformaçõessobreosfundamentoseconômicosdeum país objetodeanálise.Nessesentido,busca-setantoavaliaremquemedidaasduas categorias deindicadoressãoeficientesemsintetizardadossobrefundamentoseconômicos, quanto contextualizardequeformaessesindicadoresservemcomosuporteparaexercíciosde análise deInteligênciaEconômica.Conclui-sequeérecomendávelàanálisedeInteligência utilizar ambososíndicesdemaneiracomplementar;aquelespuramentequantitativospossuem maior precisão,massãomenosabrangentes;osratingssoberanoscontamcommenorconfiabilida - de,mastêmmaior completude.
Palavras-chave: Riscosoberano;InteligênciaEconômica;Análisede Inteligência.
Introdução
Oobjetivo do presente artigo é deter - minar as condições de utilização de
tipo particular de indicador econômico, os índices de risco soberano, no pro - cesso de análise de Inteligência. Esses índices são comumente usados como referência em relatórios de consultorias econômicas e de analistas de fundos de investimento, com o intuito de nortear decisões de investimento. Sob a pers - pectiva analítica, avalia-se se esses indi -
cadores são eficientes ao sinalizarem o comportamento de variáveis atinentes à situação econômico-financeira de um país de interesse. Em outras palavras, questiona-se se eles sintetizam ade - quadamente as informações dos fatores subjacentes a esses índices, se o fazem de maneira tempestiva e fidedigna, e em que medida esses índices são úteis em avaliações de curto e de longo prazo para a economia em análise.
* Oficial de Inteligência
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 12, dezembro 2017 91
Eduardo Castello
Para se atingir esse objetivo, organizou - -se o trabalho em cinco seções: primei - ro, delineia-se o que são indicadores de risco soberano, qual sua relevância e em quais categorias eles podem ser or - ganizados. Em seguida, avalia-se o que informam esses índices, em termos de dados econômicos e financeiros, e quão bem desempenham essa tarefa. Apre - sentamos uma breve revisão da literatura sobre o trabalho de Inteligência na área econômica, antes de ponderar quais os prós e os contras da utilização desses in - dicadores no contexto analítico. Por fim, concluímos o artigo, ao apontar quais as lacunas de conhecimento persistem a respeito do tema.
Tipos e características dos indicadores de risco soberano
Indicadores de risco soberano são ins - trumentos criados para se avaliar o ris - co percebido por agentes econômicos a respeito dos títulos de dívida emitidos por Estados. A formação das expectati - vas dos investidores sobre a capacidade de pagamento desses títulos baseia-se, principalmente, em avaliações sobre va - riáveis econômicas relevantes, tais como a razão entre dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB), o estoque de reser - vas cambiais acumuladas junto à autori - dade monetária (no Brasil, o Banco Cen - tral do Brasil – BCB), a razão entre essas reservas e volume de importações men - sais do país, e a trajetória do comporta -
mento do Resultado Primário – superavi - tário ou deficitário – do governo federal ou esfera equivalente. Conjuntamente, esses indicadores são úteis para se jul - gar a solidez econômica e financeira dos países-alvos das avaliações. Um país que apresente bons indicadores é considera - do possuidor de grau de investimento, ou seja, é reduzida a probabilidade de que o retorno sobre investimentos realizados ali sofra a influência negativa de fatores relacionados à condução econômica do país – p. ex., uma recusa ou incapacida - de do governo de pagar os credores de parte das dívidas que emitiu no passado.
Existem duas categorias de indicadores de risco soberano1. A primeira é a dos indicadores que agregam informações de natureza estritamente quantitativa. Um índice comumente utilizado para mer - cados emergentes, como o Brasil, é o EmergingMarketsBondIndex (EMBI+ Global, para o conjunto dos países emer - gentes, e EMBI+ específicos para cada país, como o EMBI+ Brazil), calculado pelo banco de investimento J.P. Morgan2 . O EMBI compreende cestas de títulos de dívida externa de longo prazo (acima de um ano) dos países em análise, com - paradas a conjuntos de títulos públicos dos Estados Unidos da América (EUA) de características semelhantes, como o prazo (no jargão, maturidade). O mo - tivo dessa comparação é que os títulos estadunidenses são considerados, na
1 Risco soberano e risco-país são conceitos distintos. O primeiro tende a levar em considera - ção elementos estruturais macro e microeconômicos nas avaliações, enquanto o segundo, além desses fatores, contempla fatores conjunturais, p. ex., o relacionamento político entre Executivo e Legislativo. Para explanações adicionais, cf. o material disponibilizado pelo BCB a respeito, disponível em https://www.bcb.gov.br/conteudo/home-en/FAQs/FAQ%2009-Coun - try%20Risk.pdf.
2 Cf. J.P. Morgan (1999).
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Indicadores econômicos na análise de Inteligência – estudo sobre os índices de risco soberano
prática, isentos de risco de calote; logo, são a referência para o que se denomina de instrumento livre de risco (em inglês, risk-freebenchmark). O diferencial ob - tido entre os retornos totais dos títulos das duas cestas, comumente denomi - nado spread, é resumido no indicador EMBI, em termos de pontos-base (um ponto-base corresponde a 0,01%). Es - ses retornos são função direta das taxas de juros ofertadas pelos emissores dos títulos, e função inversa do preço, ou do valor de face, desses títulos.
Variações no indicador de risco sobera - no são capazes de refletir mudanças na percepção de incertezas políticas e eco - nômicas que possam ameaçar a dinâmi - ca de pagamento da dívida. Aumentos nesse índice significam que os investi - dores consideram o país mais arriscado. Em decorrência disso, eles cobram taxas de juros mais altas para adquirir novos títulos. A análise do comportamento desse índice no caso brasileiro, de 1999 a 2017, conforme o Gráfico 1, é perti - nente nesse contexto.

GRÁFICO 1: EMBI+ Brazil(1999:01 - 2017:09). Fonte: adaptado de Ipeadata.
Em janeiro de 1999, com a adoção do modelo do tripé macroeconômico 3
risco-Brasil começa a ceder, resultado da melhora nas expectativas dos investidores em relação aos fundamentos econômicos
brasileiros. As eleições presidenciais em 2002 provocaram fortes incertezas, atri - buídas à ausência de discurso econômico coeso da parte do comitê de campanha do Partido dos Trabalhadores (PT). O ín -
3 Marco conceitual da teoria econômica, produto do consenso de que a estabilidade econômica requer, simultaneamente, compromisso com geração de superávits primários, flutuação cam - bial e metas de inflação. Para um tratamento atualizado sobre a adoção desse construto no Brasil, ver Bonomo, Brito e Martins (2014).
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dice de risco variou mais de 200% entre março e julho desse ano, de 718 para 2.341 pontos-base. O “vale” entre os dois “picos” em 2002 é atribuído pela literatura econômica4, entre outros fato - res, à publicação da “Carta ao Povo Bra - sileiro”, de autoria de Antônio Palocci, em 22 de junho.
O mercado internacional levou poucos dias para absorver a informação5, re - gistrada na redução da média do índice observada em agosto. Os níveis de risco alcançariam patamares mais estáveis com a confirmação de Palocci como titular da pasta da Fazenda em 2003. A posse do novo ministro foi acompanhada de uma série de medidas favoráveis à captação de investimentos estrangeiros e da pre - sença de sinais favoráveis à continuidade da política econômica da gestão anterior. Observe-se que, seis anos depois, no decorrer da crise de 2008, a amplitude das variações do EMBI foi reduzida, se comparada à de 2002 e à dos indica - dores de outros países emergentes. Isso ocorreu devido à influência de variáveis econômicas brasileiras relacionadas ao setor externo, como a estratégia de acu - mulação de reservas de moeda estran - geira no Banco Central.
A segunda categoria de indicadores de risco soberano é composta por notas atinentes ao grau de solvência de países e de corporações privadas, chamados ratings. De acordo com o manual da Standard & Poor´s (2012), as variáveis contempladas na análise estão agrupadas
em duas grandes categorias: o Perfil Ins - titucional, de Governança e Econômico e o Perfil de Flexibilidade e Desempenho (este, composto pelos Escores Externo, Fiscal e Monetário). Os ratings corres - pondem a um conjunto determinado de notas, referentes a diferentes graus de solvência. Estes níveis de solvência são expressões de probabilidades de calote.
Na metodologia da S&P, essas notas es - tão compreendidas em um intervalo en - tre AAA+ (títulos com grau de investi - mento máximo, probabilidade de calote próxima de zero), passando por BB+ (tí - tulos especulativos sem grau de investi - mento, probabilidade de calote de 5,7%), até SD/D (em calote seletivo ou genera - lizado). O Gráfico 2 mostra a trajetória dos ratingsatribuídos ao Brasil de 1999 até 2017. A nota dos títulos brasileiros emitidos em moeda estrangeira até se - tembro de 2015 foi BBB-, a última nota de grau de investimento (probabilidade de calote de 3,02%, um nível acima de BB+). A partir dessa data, o país foi no - vamente rebaixado para BB+, com piora subsequente, até a nota atual, BB (refe - rência: outubro de 2017), o que reflete uma deterioração da percepção de risco em relação ao Brasil. Ao comparar o grá - fico 2 com o anterior, pode-se perceber que os ratingsdas agências não respon - dem da mesma maneira que o EMBI+, e tendem a ser mais rígidos; trataremos dessa questão adiante, ao contemplar as diferenças entre indicadores estritamen - te quantitativos e aqueles que combinam aspectos qualitativos e quantitativos.
4 Cf. Giambiagi (2005, pp. 206-8).
5 No jargão do mercado financeiro, dir-se-ia que a informação foi “precificada”, pois ela foi incor - porada ao preço do ativo financeiro.
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Note-se que o marco cronológico abran - gido pelos dois indicadores, durante os quais o país apresentou notas compatí - veis com grau de investimento (abaixo de 200 pontos-base, no caso do EMBI+, ou grau BBB e BBB-, no caso do rating da S&P), é coincidente.
A combinação de elementos quantitati - vos e qualitativos possibilitaria corrobo - rar ou refutar sinais de curto prazo e ten - dências de longa duração detectados nas variáveis. As agências, de acordo com Bhatia (2002, p. 12), desenvolveram métodos de tomada de decisão que con - jugam a análise numérica e objetiva, com o exame qualitativo. O lado subjetivo da avaliação é feito por meio de entrevis - tas entre os funcionários das agências de
rating e autoridades governamentais da área econômica do país avaliado. Pos - teriormente, a avaliação será conduzida por um deskde análise, dividido por re - giões geográficas. Os relatórios elabora - dos pelo desksão levados a um comitê deliberativo de alto nível na agência: essa é a instância responsável pela decisão sobre qual nota será conferida a deter - minado país e se devem ocorrer altera - ções6. A justificativa para que as notas não sejam baseadas apenas em indicado - res objetivos é o fato de que um calo - te soberano pode não significar apenas a incapacidade financeira de cumprir os acordos de dívida, mas ser resultado de um cálculo político doméstico, como a suspensão temporária de pagamento de dívidas vincendas a credores externos.
GRÁFICO 2: Ratingsatribuídos à dívida soberana do Brasil emitida em moeda estrangeira pela Standard & Poor´s (1999:01 – 2017:09).

Fonte: adaptado de Standard & Poor´s.
6 Bhatia, op. cit., p. 26.
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Além da S&P, outras agências de rating , como a Fitch e a Moody´s, comparti - lham semelhanças metodológicas7. Além da utilização pelos agentes do mercado financeiro, os ratings soberanos torna - ram-se objeto de atenção da mídia espe - cializada por diversos motivos8: são mais simples de serem compreendidos que os indicadores puramente quantitativos; são ofertados por um conjunto crescente de instituições; e são utilizados para a ava - liação tanto de títulos de dívida públicos, quanto de títulos corporativos – o ra - tingde uma empresa é determinado, em grande medida, pela percepção do nível de risco do país onde ela está sediada.
O conteúdo informacional dos indicado - res de risco soberano
A fim de clarificar quais informações os índices de risco soberano são capazes de sinalizar, apresenta-se exemplo hi - potético de situação em que a análise desses indicadores seria empregada para reduzir incertezas acerca de problema enfrentado pelo Brasil. Considere-se um cenário em que um país fornecedor de insumo relevante para o setor produtivo brasileiro, chamado Paribali, registre de - terioração aguda, antecipada pelo mer - cado, de suas condições econômicas. Isso ocorre, p. ex., devido à imposição de sanções econômicas. A situação eco - nômica desse país teria piorado de tal forma que a oferta desse insumo para o Brasil encontra-se ameaçada.
A utilização desse insumo comporta-se de forma análoga ao fornecimento ener - gético: não é possível substituí-lo no cur - to prazo por outro tipo, assim como não é possível alternar entre o uso de carvão e de gás natural em uma mesma planta industrial. O encarecimento, a redução ou, no pior dos casos, a interrupção do fornecimento desse insumo provocaria impactos significativos nos parques in - dustriais do Brasil, aos quais se seguiriam problemas macroeconômicos de nature - za sistêmica, como redução da produção industrial, problemas na manutenção dos níveis de emprego em zonas industriais e desequilíbrios na balança comercial.
Nesse sentido, torna-se necessário anali - sar a causa eficiente dessa ameaça, a piora econômica em Paribali. Considerando-se que o mercado previu a evolução dessa deterioração, é seguro supor que os in - dicadores de risco soberano traduzam as expectativas negativas de investidores e de analistas financeiros. A trajetória his - tórica desses indicadores seria avaliada a fim de se estabelecer padrões sobre os fa - tores historicamente relacionados ao ris - co econômico-financeiro desse país, ou seja, sobre as variáveis que estejam cor - relacionadas com situações passadas aná - logas ao processo de desestabilização.
Historicamente, um indicador como o EMBI mostraria como os títulos de Pa - ribali são avaliados, em termos de risco, pelo conjunto dos investidores desse
7 Em estudo sobre as variáveis que influenciam os indicadores de risco soberano, Cantor e Pa - cker (1996, p. 43) apontaram que a Moody´s confere maior peso ao estoque de dívida externa, enquanto que a S&P valoriza mais o histórico de calotes.
8 Para um exemplo de crítica a essa adoção ampla dos ratingspelo mercado financeiro, con - jugada com uma avaliação dos fatores que tornam índices de risco soberano atraentes, cf. o artigo de Masciandaro (BIS paper no. 72), Sovereigndebt:financialmarketsover-reliance on creditratingagencies, de 2012.
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ativo financeiro. A trajetória desse indi - cador revelaria episódios de incerteza política e de fragilidade em variáveis ma - croeconômicas estratégicas – especial - mente as que refletem a situação fiscal e externa do país. O EMBI refletiria tam - bém os momentos em que as autorida - des econômicas foram bem-sucedidas em alinhavar as expectativas do mercado e em conferir maior credibilidade às suas decisões. Em relação a Paribali, seriam duas as vantagens na utilização desse indicador: a primeira é a elevada capa - cidade de resumir os dados disponíveis para os agentes econômicos envolvidos no mercado de títulos públicos desse país9. Além disso, conforme observado no caso do Brasil, o hiato temporal que separa eventos positivos ou negativos no país-alvo e as respectivas variações no EMBI é, em geral, curto, embora não imediato. Em outras palavras, indicado - res desse tipo responderiam de forma rápida a eventos econômicos e políticos que ocorram no âmbito doméstico.
Os relatórios de ratings soberanos de Paribali, por outro lado, apresentariam variáveis políticas e econômico-financei - ras agregadas, que conferem suporte à nota dada pela instituição avaliadora. O ponto forte dos ratingsé a completude: nos relatórios, as variáveis relevantes são apresentadas de maneira histórica, com comentários metodológicos que per - mitem ao leitor fazer inferências acerca da qualidade dos dados estatísticos que
subsidiaram o relatório. O relatório de avaliação do ratingdado aos títulos pú - blicos de Paribali seria forma eficiente de se acessar, em um mesmo documento, dados resumidos de diversas categorias financeiras, econômicas e políticas.
Existem, contudo, lacunas específicas a serem preenchidas para cada tipo de indicador utilizado na análise de Pariba - li. Em relação ao indicador quantitativo, há casos, como o da Argentina, em que os países estão ausentes do mercado internacional de dívida por tempo con - siderável, de forma que os indicadores de risco soberano permanecem em pa - tamares críticos, e não respondem com precisão a eventos drásticos como os ocorridos em Paribali. Os investidores assumem que os títulos emitidos por esses países são de natureza arriscada – são chamados de “títulos-lixo”, ou junk bonds. Logo, a sinalização do indicador não responderia proporcionalmente à gravidade da situação.
Países emergentes como Paribali tendem a apresentar desempenho econômico mais volátil que o das economias desen - volvidas, logo, há probabilidade não des - prezível de que um indicador semelhante ao EMBI apresente esse tipo de com - portamento. Há outras situações em que uma convulsão política – como o caso da Bélgica no início dos anos 2010, em que o país ficou sem governo formado por quase dois anos – não é suficiente para
9 Há literatura ampla na área microeconômica sobre a eficiência dos mercados, em termos de formação de preços, e o papel das expectativas dos agentes econômicos. As contribuições seminais nesse sentido foram dadas por Arrow e Debreu (1956), e Famaetal.(1969). Uma das condições para que um mercado seja fortemente eficiente é que toda a informação sobre um ativo financeiro (p. ex., uma ação) esteja contida nos preços desse ativo. Emoutros termos, tudo que há para saber sobre esse ativo é de conhecimento de todos os participantes do mercado.
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abalar os pilares de sustentação econô - mica do país. No caso belga, a inexistên - cia de histórico de calote em títulos de dívida soberana e a presença de institui - ções econômicas supranacionais – nesse caso, o Banco Central Europeu – servi - ram para suavizar a percepção de risco.
Em relação aos ratings, não raro, as agências assumem postura de observa - ção em face de eventos críticos, a fim de mitigar decisões precipitadas. Em de - corrência disso, a resposta dos ratings a esses eventos é, em geral, lenta. Por esse motivo, esses indicadores são mais adequados como norteadores de de - cisões de investimento de longo prazo (mais de um ano), tendo menor serventia para aplicações de curto prazo (um ano ou menos). Além disso, o processo de tomada de decisão dos comitês delibera - tivos a respeito da nota de um país não é aberto ao público; dessa forma, não se pode conhecer diretamente a forma - ção do elemento subjetivo dos ratings . As agências vendem suas notas para os emissores governamentais e corporati - vos, além de concorrerem entre si, o que contribui para que as notas possam ser artificialmente infladas10 .
A forma como as agências de rating rebaixaram a nota dos títulos públicos da Grécia durante a crise de dívida so - berana no país em 2010, de maneira abrupta, apenas quando os problemas mostraram-se evidentes, provocou ques - tionamentos sobre a consistência desses
índices11. Seria incorreto dizer que os fundamentos da economia grega eram sólidos naquele ano, embora, com base nos ratings, poder-se-ia afirmar que a si - tuação grega não periclitava: a nota, pela S&P, era BBB+, grau de investimento, em março de 2010, e caiu para BB+, grau especulativo, no mês seguinte; o mesmo processo demorou quase três anos no Brasil, conforme a descrição no gráfico 2. O efetivo rebaixamento do ra - tinggrego pela S&P, em 27 de abril de 2010, somente ocorreu quando os pro - blemas tornaram-se óbvios. Esse país so - fria de vulnerabilidades severas nas áreas fiscal e externa, que ameaçavam não ape - nas a solvência dos títulos emitidos pelo Tesouro da Grécia, mas colocavam em xeque o conjunto da economia nacional de forma sistêmica, ao prejudicar o pa - gamento a aposentados e o fornecimen - to de serviços públicos essenciais.
Com base nessa discussão, seria razoável supor um uso complementar dos dois in - dicadores de risco. Antes de evoluir para um debate mais pormenorizado nesse sentido, apresentamos algumas con - tribuições que auxiliam a localizar esse tema no contexto da área de Inteligência.
Análise de Inteligência na área econômica
Na literatura, há contribuições que res - saltam o peso da análise econômica para o trabalho de Inteligência, e como essa tarefa articula-se com as demais ativida - des estatais e com as demandas da so -
10 O conflito de interesses entre as agências de ratinge os compradores de ativos financeiros chancelados por elas tornou-se caso paradigmático, além de fato amplamente divulgado na mídia. Ver, p. ex., o verbete principal-agentproblemno site Investopedia (www.investopedia. com), em que essa situação – a venda de ratings– é dada como exemplo.
11 Rating agencies criticized by European Commission - http://www.bbc.com/news/busi - ness-14043293.
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ciedade. Lewis (1993), p. ex., enfatiza a importância de compreender de que for - ma tanto o mercado de capitais quanto o sistema bancário funcionam como en - grenagens relevantes de uma economia nacional. Segundo o autor, nessas áre - as, o trabalho de Inteligência insere-se, simultaneamente, como ferramenta de detecção de problemas em setores vul - neráveis da economia nacional – p. ex., a exposição dos bancos a ações de or - ganizações criminosas – e como instru - mento de acompanhamento de situações no mercado financeiro internacional com capacidade de desestabilizar os setores produtivos domésticos.
Porteous (1995) levanta os desafios para o desenvolvimento da atividade de Inteli - gência nas áreas econômica e comercial, tendo como pano de fundo a realidade canadense. O autor descreve cinco ta - refas (pp. 288-9) relacionadas ao de - sempenho histórico de ações na área, em ordem de sensibilidade: suporte de Contrainteligência (a menos controversa, e produto tipicamente oferecido); provi - mento de Inteligência para autoridades sobre temas e países de interesse, cujo acesso é indisponível por outros órgãos governamentais; monitoramento de acordos comerciais, semelhante à ativi - dade de compliance; influência, incluin - do desinformação e ações encobertas em países de interesse; e espionagem eco - nômico-comercial (a mais controversa).
De maneira semelhante, Luong (inJohn - son, 2012) pondera sobre os prós e os contras da coleta de Inteligência Econô - mica, em face dos esforços crescentes
de determinados países em empreender ações de coleta ilegais. O autor tece considerações acerca da expansão dos sistemas de Inteligência contemporâneos na direção da coleta de dados econômi - cos (p. 164), em resposta ao aumento da competição internacional e ao maior grau de vulnerabilidade dos Estados a choques econômicos adversos vindos do exterior. Maior competição, conjugada com maior abertura do relacionamen - to comercial entre países, implica que mais agentes econômicos têm incentivos para burlar regramentos internacionais e executar ações hostis. Obter dados so - bre esses problemas torna-se tarefa es - pecializada, que, em geral, sobrepuja a capacidade dos ministérios de relações exteriores em lidar com esses desafios; firmas e órgãos de representação seto - rial também encontram limitações para a empreitada. Por conseguinte, essa tarefa torna-se cabível ao aparato de Inteligên - cia estatal. Para o caso brasileiro, isso está explícito no texto da Política Nacio - nal de Inteligência12, item quatro, onde se lê que a crescente relevância econô - mica e comercial do país, combinada à complexidade do cenário global, reco - menda que a análise das ameaças seja feita de maneira integrada.
Por fim, a análise dos indicadores de ris - co soberano, da forma como foi exempli - ficada neste artigo, guarda proximidade com quatro pontos estabelecidos por Zelikow (1997), quando abordou quais as condições para o uso eficaz da análise de Inteligência Econômica. O primeiro é fornecer informações diferenciadas para os decisores, que é uma característica
12 Decreto nº 8.793, de 29 de junho de 2016.
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